São Paulo, sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

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Cinema/estréia

Longa recria o elo EUA-Afeganistão

"Jogos do Poder", de Mike Nichols, lembra bastidores da ajuda americana aos mujahidin contra os soviéticos nos anos 80

À Folha diretor evita idéia de que eventos que ele retrata levaram ao 11 de Setembro; para Tom Hanks, trata-se de "filme de época"

EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

Nos momentos finais de "Jogos do Poder", que estréia hoje, o agente da CIA Gust Avrakotos (Philip Seymour Hoffman) conta ao congressista Charlie Wilson (Tom Hanks) uma espécie de parábola zen, em que um garoto ganha um cavalo em seu aniversário de 14 anos e todos em sua vila se regozijam. O menino cai do cavalo e quebra o pé. O infortúnio, quem diria, acaba salvando-o de ser recrutado para uma guerra.
A ambigüidade do presente da historinha acima enviesa o filme do diretor Mike Nichols. Baseado em fatos reais, narrados no livro "Charlie Wilson's War", de George Crile, o longa conta como o congressista, o agente e uma socialite (Julia Roberts) conseguiram elevar o orçamento americano de US$ 5 milhões para US$ 1 bilhão, anuais, para a guerra que o Afeganistão travou, entre 1979 e 1989, contra os soviéticos. Numa operação secreta, envolvendo outros países, os EUA ajudaram a armar e treinar os mujahidin (guerreiros islâmicos), e, finda a guerra, saíram de cena, deixando atrás um país caótico.
Em entrevista à Folha, em mesas-redondas, de que participaram ainda Hanks, Roberts e Hoffman, Nichols evita identificar no filme uma mensagem de alerta sobre o que acontece hoje no Iraque, ocupado por tropas americanas. Ou tampouco que o longa narre os eventos históricos que levaram aos ataques do 11 de Setembro.
"Se o filme tem uma mensagem, é que, neste mundo, é muito difícil calcular as conseqüências", diz Nichols.
O diretor conta que explicava a seus filhos a tal parábola zen: "Na vida, as coisas boas e más permanecem se transformando umas nas outras. Pense numa herança. Um dos meus filhos disse que não vai querer meu dinheiro, pois está muito feliz, e nunca viu alguém que tenha recebido dinheiro que não tenha fodido sua vida".

Política, álcool e pó
"Jogos do Poder" tem um herói às avessas: o congressista texano Charlie Wilson, papel de Hanks. Mulherengo, Wilson vivia em festas regadas a uísque e cocaína. Os escândalos nunca o impediram de obter sucesso político, como no caso do Afeganistão. Também produtor do filme, Hanks se diz atraído pelas motivações do personagem.
O ator também faz ressalvas quanto ao filme ser encarado como uma explicação para o 11 de Setembro ou que tais.
"Há muitos filmes agora sobre a guerra contra o terrorismo, a Guerra do Iraque etc. Este não é um desses filmes. Ele mostra pessoas com metralhadoras, há helicópteros no céu e eles são muçulmanos. Mas estes não são critérios suficientes para fazer do filme um retrato do que está acontecendo no Iraque ou até mesmo no Afeganistão hoje", diz Hanks.
"Trata-se de um dos muitos capítulos na história do envolvimento das sociedades ocidentais nesta região tão complexa e que tem seus primórdios há milhares de anos. É um filme de época, sobre algo que ocorreu há mais de 27 anos."
Se o filme tem um herói, a heroína acidental é Joanne Herring, socialite de Houston vivida por Julia Roberts, que teve de esticar a pele do rosto com fitas adesivas para aparentar as plásticas feitas por sua personagem, dez anos mais velha do que a atriz, na época retratada. Roberts também reputa seu interesse no filme a motivações do personagem.
"Joanne é uma mulher orientada por sua crença em justiça e religião. É incrível pensar nesta socialite em Houston que realmente tem uma paixão e convicção pelo que está acontecendo no Afeganistão. E o sentimento de que aquela batalha não era justa. Que não seria cristão saber a realidade e não fazer nada."
Seymour Hoffman, que concorreu ao Oscar de melhor ator coadjuvante por Avrakotos, ressalta como seu personagem era um estranho no ninho na CIA. Filho de imigrantes gregos, da classe operária, enfrentava resistência dos colegas de agência, a maioria brancos, de berço, vindos de renomadas universidades.
Seria outro herói às avessas?
"Os mesmos sentimentos de ódio que ele tinha contra a burguesia e a intelligentsia ele tinha contra os comunistas. Foi isso que atraiu a atenção de Charlie e Joanne", diz Seymour Hoffman.


O jornalista EDUARDO SIMÕES viajou a convite da Universal

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