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Cinema/estréia
Longa recria o elo EUA-Afeganistão
"Jogos do Poder", de Mike Nichols, lembra bastidores da ajuda americana aos mujahidin contra os soviéticos nos anos 80
À Folha diretor evita idéia de que eventos que ele retrata levaram ao 11 de Setembro; para Tom Hanks, trata-se de "filme de época"
EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES
Nos momentos finais de "Jogos do Poder", que estréia hoje,
o agente da CIA Gust Avrakotos (Philip Seymour Hoffman)
conta ao congressista Charlie
Wilson (Tom Hanks) uma espécie de parábola zen, em que
um garoto ganha um cavalo em
seu aniversário de 14 anos e todos em sua vila se regozijam. O
menino cai do cavalo e quebra o
pé. O infortúnio, quem diria,
acaba salvando-o de ser recrutado para uma guerra.
A ambigüidade do presente
da historinha acima enviesa o
filme do diretor Mike Nichols.
Baseado em fatos reais, narrados no livro "Charlie Wilson's
War", de George Crile, o longa
conta como o congressista, o
agente e uma socialite (Julia
Roberts) conseguiram elevar o
orçamento americano de US$ 5
milhões para US$ 1 bilhão,
anuais, para a guerra que o Afeganistão travou, entre 1979 e
1989, contra os soviéticos. Numa operação secreta, envolvendo outros países, os EUA ajudaram a armar e treinar os mujahidin (guerreiros islâmicos), e,
finda a guerra, saíram de cena,
deixando atrás um país caótico.
Em entrevista à Folha, em
mesas-redondas, de que participaram ainda Hanks, Roberts
e Hoffman, Nichols evita identificar no filme uma mensagem
de alerta sobre o que acontece
hoje no Iraque, ocupado por
tropas americanas. Ou tampouco que o longa narre os
eventos históricos que levaram
aos ataques do 11 de Setembro.
"Se o filme tem uma mensagem, é que, neste mundo, é
muito difícil calcular as conseqüências", diz Nichols.
O diretor conta que explicava a seus filhos a tal parábola
zen: "Na vida, as coisas boas e
más permanecem se transformando umas nas outras. Pense
numa herança. Um dos meus
filhos disse que não vai querer
meu dinheiro, pois está muito
feliz, e nunca viu alguém que
tenha recebido dinheiro que
não tenha fodido sua vida".
Política, álcool e pó
"Jogos do Poder" tem um herói às avessas: o congressista texano Charlie Wilson, papel de
Hanks. Mulherengo, Wilson vivia em festas regadas a uísque e
cocaína. Os escândalos nunca o
impediram de obter sucesso
político, como no caso do Afeganistão. Também produtor do
filme, Hanks se diz atraído pelas motivações do personagem.
O ator também faz ressalvas
quanto ao filme ser encarado
como uma explicação para o 11
de Setembro ou que tais.
"Há muitos filmes agora sobre a guerra contra o terrorismo, a Guerra do Iraque etc. Este não é um desses filmes. Ele
mostra pessoas com metralhadoras, há helicópteros no céu e
eles são muçulmanos. Mas estes não são critérios suficientes
para fazer do filme um retrato
do que está acontecendo no
Iraque ou até mesmo no Afeganistão hoje", diz Hanks.
"Trata-se de um dos muitos
capítulos na história do envolvimento das sociedades ocidentais nesta região tão complexa e que tem seus primórdios há milhares de anos. É um
filme de época, sobre algo que
ocorreu há mais de 27 anos."
Se o filme tem um herói, a heroína acidental é Joanne Herring, socialite de Houston vivida por Julia Roberts, que teve
de esticar a pele do rosto com
fitas adesivas para aparentar as
plásticas feitas por sua personagem, dez anos mais velha do
que a atriz, na época retratada.
Roberts também reputa seu interesse no filme a motivações
do personagem.
"Joanne é uma mulher
orientada por sua crença em
justiça e religião. É incrível
pensar nesta socialite em
Houston que realmente tem
uma paixão e convicção pelo
que está acontecendo no Afeganistão. E o sentimento de
que aquela batalha não era justa. Que não seria cristão saber a
realidade e não fazer nada."
Seymour Hoffman, que concorreu ao Oscar de melhor ator
coadjuvante por Avrakotos,
ressalta como seu personagem
era um estranho no ninho na
CIA. Filho de imigrantes gregos, da classe operária, enfrentava resistência dos colegas de
agência, a maioria brancos, de
berço, vindos de renomadas
universidades.
Seria outro herói às avessas?
"Os mesmos sentimentos de
ódio que ele tinha contra a burguesia e a intelligentsia ele tinha contra os comunistas. Foi
isso que atraiu a atenção de
Charlie e Joanne", diz Seymour Hoffman.
O jornalista EDUARDO SIMÕES viajou a convite
da Universal
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