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CARLOS HEITOR CONY
Receita padrão de adultério
Fique sabendo que nenhuma mulher nasce adúltera, como os poetas que nascem poetas
NÃO SUPORTOU mais e foi procurar o amigo escritor. Era
amizade antiga, mas distante. De há muito o considerava um
péssimo caráter, capaz de cometer
qualquer miséria desde que tivesse
lucro com uma mulher ou com um
assunto que lhe desse inspiração.
Aproveitava-lhe a sabedoria, mas
evitava contagiar-se com a devassidão de sua vida abominável.
Ele desejava mudar o nome do
prédio onde morava (Babilônia),
aconselhara-se com o amigo, haveria uma reunião de condomínio e o
escritor incentivou-o, que fosse formidando ao fazer a proposta.
- Formidando? Quê que é isso?
- Uma expressão clássica, Raul
Pompéia usava muito em "O Ateneu", o professor Aristarco era formidando. Significa formidável, feroz, tonitruante.
- É isso aí! Serei formidando!
A reunião foi numa sexta-feira, à
noite, nada teve de formidanda. No
sábado, ele voltou ao amigo.
- Como é? Você foi formidando?
- Formidando uma ova! Foi um
desastre!
- Mas por que diabo você quer
mudar o nome do prédio?
Abriu-se. Pela primeira vez na vida, abria-se.
Tinha medo de ser traído. Sabia
que as mulheres depois de certa idade sofriam crises, as tentações eram
muitas. Ele achava que o nome "Babilônia" era um péssimo agouro.
Mas reconhecia que não adiantava
mudar o nome do prédio.
- É. Não resolve mesmo, admitiu
o amigo.
- Você seria capaz de dar em cima
da minha mulher?
A pergunta, à queima-roupa, desorientou o escritor, que apesar de
cínico não estava preparado para
ela.
- Não. Ela é muito magra.
- Era. Agora engordou um pouco.
Para ser fiel ao papel de cínico, o
amigo novamente admitiu:
- Bem, se está no ponto, por que
não?
- Você gosta de mulher gorda?
- Nada disso. Mas mulher magra
foi uma impostura dos costureiros,
dos modistas. São, em geral, pederastas. Odeiam a mulher. Querem os
homens todos para eles e o melhor
modo de eliminar a concorrência é
obrigar a mulher a ficar ossuda, sem
carnes. As idiotas fazem regime, ficam com as pernas que parecem palitos, a bunda vira uma tábua. Não é
à toa que os homossexuais terminam levando vantagens. Agora, veja,
as fêmeas bíblicas, a mulher das Escrituras, as mulheres de Renoir, de
Rubens, as madonas, a "Fornarina"
de Rafael...
- Bem, eu não entendo muito disso, mas acho que você tem razão.
- Uma porrada de razão! Os homens gostam e se casam com mulheres magras para a exibição, o jogo
social. Na hora de rebolar na cama,
preferem as gordinhas, as falsas magras...Todas as amantes dos meus
amigos são assim...
- Eu não tenho amantes, Otávia
me basta.
O amigo ia dizer qualquer coisa,
freou-se a tempo.
- Você acha que sua mulher seria
capaz de um adultério?
- Sei lá.
- Bom, em princípio todas as mulheres são capazes disso. Elas têm a
matéria-prima do adultério: o sexo e
o marido. Falta apenas o beneficiamento, que é o terceiro elemento, o
amante, que não é difícil de encontrar. Mas fique sabendo, nenhuma
mulher nasce adúltera, como os
poetas que nascem poetas. Ela se
faz, como os oradores. Ou melhor, o
marido é que a faz adúltera.
- Você já cometeu adultério?
O amigo fingiu que não ouvira
bem, mesmo assim tirou o corpo fora:
- Eu sou solteiro!
- Não é isso que quero dizer. Pergunto se você já cometeu adultério
com alguma mulher casada?
- Que eu saiba, não. Não gosto de
adultérios. Eles precisam de hotéis
sórdidos, exigem códigos ridículos,
praticam ritos abomináveis, dificilmente se comete adultério em paz
de espírito.
- Isso é necessário? Essa paz de
espírito?
- Tanta mulher no mundo, porque escolher uma que pode dar problema?
- O problema pode compensar.
Calaram-se por um tempo. O escritor ofereceu um uísque.
- Bem, por hoje chega. Aprendi
bastante. Outro dia apareço.
- Você tem lido meus livros? -a
pergunta foi também à queima-roupa.
- Não. Otávia acha-os indecentes
e eu termino escondendo-os. Na última mudança, sumiram.
- Ainda bem. Qualquer que seja a
solução do seu caso, mantenha-me
informado. Você pode me dar bom
assunto.
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