São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2001

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FESTIVAL INTERNACIONAL DE DOCUMENTÁRIOS

A verdade, segundo Wiseman

Documentarista norte-americano chega hoje ao Brasil para a primeira retrospectiva de sua obra no país
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Frederick Wiseman, 71, é autor do único documentário censurado na história dos Estados Unidos. "Titicut Follies" -um filme sobre as condições em que viviam os doentes no manicômio judiciário de Bridgewater, em Massachusetts- ficou proibido de ter exibições públicas de 1967 a 1992.
Que o primeiro filme de Wiseman tenha sido motivo de uma longa batalha com base na 1ª Emenda é emblemático na história de um documentarista que tomou "a vida contemporânea americana" por tema e escolheu suas mais representativas instituições como caminho para esquadrinhá-la.
Wiseman chega hoje ao Brasil, como convidado de honra do 6º É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, que traz pela primeira vez ao país uma retrospectiva de seus trabalhos. Por telefone, de seu estúdio em Massachusetts, Wiseman falou à Folha e resumiu seu ofício: "Meu trabalho é reconhecer as coisas diante dos meus olhos e encontrar um "lar" para esses acontecimentos dentro de um filme".

Folha - Antes de se dedicar ao cinema-documentário, o sr. havia se formado em direito, com ênfase na área criminal...
Frederick Wiseman -
(Interrompendo.) Fiz direito, mas detestei o curso. Quase nunca assistia às aulas. Passei três anos lendo romances. Concluí os estudos, sou bacharel, mas detestei isso.

Folha - A decisão de realizar documentários seria uma forma de deixar um registro perene de seu depoimento; um aceite da condição de testemunha da história?
Wiseman -
Num certo sentido, sim. Mas acho que isso não tem nada a ver com os "estudos que não fiz". Meu interesse pelos filmes documentários é sobretudo uma questão de que sempre adorei cinema e comecei a pensar em trabalhar com ele quase no mesmo instante em que o desenvolvimento tecnológico me ofereceu a possibilidade de ver o mundo como um filme.
Encontramos coisas dramáticas, oníricas ou tristes que podem ser bem organizadas num filme, com uma estrutura dramática. Achei isso muito mais interessante que o direito.

Folha - É em razão dessa "estrutura dramática" que o sr. afirma que os documentários são uma ficção como qualquer outra?
Wiseman -
Sim e não. Há uma distinção. Os fatos, os acontecimentos não são ficcionais, porque jamais peço a alguém que faça algo para mim num filme. Mas toda a organização, a estrutura do filme é dramática ou ficcional. A ordem dos acontecimentos num documentário não é a mesma que eles têm na vida.
Para uma filmagem, eu passo de seis a oito semanas num lugar. Nesse tempo, filmo aproximadamente cem horas. E monto um filme com duas ou três horas de duração. Nesse sentido, o processo de fazer um filme é semelhante ao da construção de um romance ou de uma peça.

Folha - O sr. diz que não faz pesquisas prévias sobre os temas de seus filmes, porque gosta de ser surpreendido pela realidade. Esse tipo de surpresa ainda é possível?
Wiseman -
(Risos.) Sim. Mesmo que tenhamos uma boa dose de imaginação, as coisas que as pessoas podem fazer umas às outras e a maneira como as fazem são sempre muito surpreendentes.

Folha - O sr. sempre faz filmes para exibição na TV. Acredita que a moda do "infoentertainment" e dos "reality shows" vá impulsionar alguma renovação na linguagem televisiva?
Wiseman -
Pode ser que o público não espere mais maus documentários, em razão desse "infoentertainment" e de programas como "Survivor". Na minha opinião, eles não passam de "doc-soaps", a expressão inglesa para a mistura de documentários com novelas ("soap-operas"). Não têm o menor interesse, são condescendentes com o público e com as pessoas que estão nesse tipo de filme; verdadeiramente idiotas. Acredito que um documentário, à parte o interesse dramático e artístico, tem que ter o que chamo de "a história natural". De meus filmes, espero que salte, além da estrutura dramática, um certo aspecto da vida contemporânea.

Folha - O pressuposto da não-intervenção do cineasta que o sr. adota, assim como toda a escola do "cinema direto", não é um princípio de respeito à realidade que se contradiz com o aspecto ficcional dos documentários?
Wiseman -
A não-intervenção é por respeito à realidade. O complicado disso é que a maneira como utilizamos a câmera, como fazemos a montagem, toda a organização, toda a manipulação do filme surge aí.


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