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FESTIVAL INTERNACIONAL DE DOCUMENTÁRIOS
A verdade, segundo Wiseman
Documentarista norte-americano chega hoje ao Brasil para a primeira retrospectiva de sua obra no país
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Frederick Wiseman, 71, é autor
do único documentário censurado na história dos Estados Unidos. "Titicut Follies" -um filme
sobre as condições em que viviam
os doentes no manicômio judiciário de Bridgewater, em Massachusetts- ficou proibido de ter
exibições públicas de 1967 a 1992.
Que o primeiro filme de Wiseman tenha sido motivo de uma
longa batalha com base na 1ª
Emenda é emblemático na história de um documentarista que tomou "a vida contemporânea
americana" por tema e escolheu
suas mais representativas instituições como caminho para esquadrinhá-la.
Wiseman chega hoje ao Brasil,
como convidado de honra do 6º É
Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, que
traz pela primeira vez ao país uma
retrospectiva de seus trabalhos.
Por telefone, de seu estúdio em
Massachusetts, Wiseman falou à
Folha e resumiu seu ofício: "Meu
trabalho é reconhecer as coisas
diante dos meus olhos e encontrar um "lar" para esses acontecimentos dentro de um filme".
Folha - Antes de se dedicar ao cinema-documentário, o sr. havia se
formado em direito, com ênfase na
área criminal...
Frederick Wiseman - (Interrompendo.) Fiz direito, mas detestei o
curso. Quase nunca assistia às aulas. Passei três anos lendo romances. Concluí os estudos, sou bacharel, mas detestei isso.
Folha - A decisão de realizar documentários seria uma forma de
deixar um registro perene de seu
depoimento; um aceite da condição de testemunha da história?
Wiseman - Num certo sentido,
sim. Mas acho que isso não tem
nada a ver com os "estudos que
não fiz". Meu interesse pelos filmes documentários é sobretudo
uma questão de que sempre adorei cinema e comecei a pensar em
trabalhar com ele quase no mesmo instante em que o desenvolvimento tecnológico me ofereceu a
possibilidade de ver o mundo como um filme.
Encontramos coisas dramáticas, oníricas ou tristes que podem
ser bem organizadas num filme,
com uma estrutura dramática.
Achei isso muito mais interessante que o direito.
Folha - É em razão dessa "estrutura dramática" que o sr. afirma
que os documentários são uma ficção como qualquer outra?
Wiseman - Sim e não. Há uma
distinção. Os fatos, os acontecimentos não são ficcionais, porque
jamais peço a alguém que faça algo para mim num filme. Mas toda
a organização, a estrutura do filme é dramática ou ficcional. A ordem dos acontecimentos num
documentário não é a mesma que
eles têm na vida.
Para uma filmagem, eu passo de
seis a oito semanas num lugar.
Nesse tempo, filmo aproximadamente cem horas. E monto um filme com duas ou três horas de duração. Nesse sentido, o processo
de fazer um filme é semelhante ao
da construção de um romance ou
de uma peça.
Folha - O sr. diz que não faz pesquisas prévias sobre os temas de
seus filmes, porque gosta de ser
surpreendido pela realidade. Esse
tipo de surpresa ainda é possível?
Wiseman - (Risos.) Sim. Mesmo
que tenhamos uma boa dose de
imaginação, as coisas que as pessoas podem fazer umas às outras
e a maneira como as fazem são
sempre muito surpreendentes.
Folha - O sr. sempre faz filmes para exibição na TV. Acredita que a
moda do "infoentertainment" e
dos "reality shows" vá impulsionar
alguma renovação na linguagem
televisiva?
Wiseman - Pode ser que o público não espere mais maus documentários, em razão desse "infoentertainment" e de programas
como "Survivor". Na minha opinião, eles não passam de "doc-soaps", a expressão inglesa para a
mistura de documentários com
novelas ("soap-operas"). Não têm
o menor interesse, são condescendentes com o público e com as
pessoas que estão nesse tipo de filme; verdadeiramente idiotas.
Acredito que um documentário, à
parte o interesse dramático e artístico, tem que ter o que chamo
de "a história natural". De meus
filmes, espero que salte, além da
estrutura dramática, um certo aspecto da vida contemporânea.
Folha - O pressuposto da não-intervenção do cineasta que o sr.
adota, assim como toda a escola do
"cinema direto", não é um princípio de respeito à realidade que se
contradiz com o aspecto ficcional
dos documentários?
Wiseman - A não-intervenção é
por respeito à realidade. O complicado disso é que a maneira como utilizamos a câmera, como fazemos a montagem, toda a organização, toda a manipulação do
filme surge aí.
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