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CINEMA
"Onde Anda Você", de Sérgio Rezende, acompanha a viagem de "um homem na crosta do planeta", diz o diretor
Filme retrata personagem em busca de si
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Felício Barreto (Juca de Oliveira) é um palhaço que perdeu o
parceiro, a mulher e o sorriso. Ele
parte em busca de uma nova razão para seguir vivendo (ou de
uma serena despedida da vida)
em "Onde Anda Você", décimo
filme do cineasta Sérgio Rezende,
que pré-estréia amanhã, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.
O lançamento nos cinemas está
previsto para o próximo dia 9, em
aproximadamente 40 salas de cidades do Sudeste e do Nordeste,
regiões onde o longa tem suas locações. A viagem do personagem
principal parte de São Paulo e alcança o Piauí e o Ceará. A razão
do trajeto desse palhaço triste ser
em direção "à beirada do Brasil, e
não ao coração do país" é um dos
aspectos que o diretor aborda, na
entrevista a seguir.
Folha - Por meio da história de
um homem que revê sua trajetória
profissional e suas principais relações de amor e de amizade, o sr. filmou um réquiem para um palhaço.
Como lhe ocorreu essa idéia?
Sérgio Rezende - O filme tem
dois planos -uma viagem do cara em busca de um parceiro [outro comediante com quem dividir
seus números] e ele numa viagem
interior, em busca de si mesmo.
Com a crise gerada pela morte
da mulher, a grande paixão de sua
vida, ele percebe que está jogando
a vida fora. Sua busca é por esses
valores fundamentais e esquecidos -a amizade, o amor, a solidariedade, o perdão.
Depois de ter feito muitos filmes
sobre a realidade, os grandes personagens [são de Rezende, entre
outros, os longas "Lamarca"
(1994), "A Guerra de Canudos"
(1997) e "Mauá, o Imperador e o
Rei" (1999)], senti uma vontade
profunda de fazer um filme sobre
as pequenas coisas da vida. O filme tem a aventura de você se redescobrir, reconciliar-se consigo
mesmo e com os outros.
Folha - Quando Felício anuncia a
decisão de ir ao Nordeste, para encontrar a ingenuidade que o ambiente urbano do Sudeste eliminou, Mirandinha (Castrinho) afirma que a ingenuidade já não existe, uma vez que o país está todo
contaminado pela brutalidade da
TV. Essa é uma forma de dizer que
não há mais lugar para os valores
humanistas que o sr. enumera na
busca do protagonista?
Rezende - Isso é o que ele acreditava. Ele começa o filme com uma
visão muito amarga de tudo e de
si. Ao mesmo tempo, convive
com a grande ingenuidade de
achar que ainda pode haver lugar
para ele na TV. Quando percebe
que não, se vê diante de si mesmo,
só. Talvez saiba que não vai trabalhar mais e que sua busca é reencontrar a paz consigo mesmo.
Folha - O sr. diz que procurou homenagear os primeiros filmes de
Federico Fellini (1920-1993) e os últimos de Charles Chaplin (1889-1977). Como essa opção dialoga
com o cinema brasileiro atual?
Rezende - O filme se relaciona
mais com a história do cinema do
que com a história do Brasil. Procurei uma maneira de filmar distante da contemporânea, que é
muito febril, tanto no jeito de
montar, entrecortando violentamente o filme, como no modo ágil
de filmar. Quis fazer um filme
nessa onda mais antiga, que a
gente chamava filme de cinema,
com uma certa calma na narrativa, uma elaboração dos planos.
Isso tem a ver com a própria história do filme, que é acreditar numa coisa mais simples, procurar a
simplicidade das imagens, deixar
que elas falem por si.
Folha - "Onde Anda" é também
um filme de personagem. Por que o
sr. escalou Juca de Oliveira para o
papel principal e deu a José Wilker,
ator habitual em sua filmografia, o
papel do fantasma Mandarim?
Rezende - Desde o primeiro instante em que pensei nesse filme,
pensei no Juca. Não sei exatamente o porquê. Não foi só porque ele
é um grande ator e tem o "phisique du rôle". Tive uma intuição.
Aí ele foi convidado para fazer [a
novela] "O Clone". Esperamos
quase um ano para que ele pudesse filmar. Diante do resultado, vi
que valeu a pena. É inacreditável
como o Juca tem feito poucos filmes. Há mais de 20 anos não fazia
um protagonista no cinema.
Wilker e eu somos velhos parceiros. Mando o roteiro para ele e
digo: Zé, escolhe aí o personagem
que você quiser. Ele escreveu um
livro chamado "Como Deixar Um
Relógio Emocionado" (Scritta,
1996). Acho que é mais ou menos
isso o que Wilker e Juca são -relógios emocionados, ou seja, uma
precisão absoluta na interpretação e uma emoção muito grande.
Folha - Que tipo de colaboração o
sr. pediu à direção de fotografia, ao
decidir filmar a vastidão da paisagem litorânea?
Rezende -No cinema, em geral,
temos muito medo da paisagem.
Mas eu não acho que a paisagem
seja escapismo. Ela é a realidade
deste planeta em que vivemos e
estamos vivendo muito mal, assim como o Felício. Ele é um homem andando na crosta do planeta, como nós. É o que somos.
No cinema brasileiro, temos
sempre a metáfora de um cara
viajando em direção ao coração
do Brasil. Os filmes-de-estrada
têm a tendência de ir se aprofundando no Brasil. Eu quis fazer o
contrário. O filme tinha de acabar
na beira d'água, onde tudo começou, onde chegaram os portugueses, e não lá no coração.
O [diretor de fotografia] Guy
Gonçalves, com quem trabalhei
no meu filme anterior, "Quase
Nada" (2000), fez um trabalho espetacular para o filme. Ele foi
muito feliz ao não fazer uma fotografia realista, ao procurar, com
sua palheta, as cores que servissem ao filme. O Nordeste, por
exemplo, filmamos sem aquela
cor folclórica. É Nordeste, mas
podia ser outro lugar qualquer.
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