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Palco da discórdia
Produtores teatrais criticam visão do Ministério da Cultura, publicada em artigo na Folha, sobre
incoerências na Lei Rouanet; para
presidente de associação, existência
de empresa que capta R$ 40 mi
justifica revisão, e não extinção
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
A primeira polêmica envolvendo o Ministério da Cultura
em 2008 partiu do próprio Ministério da Cultura.
O governo lida desde anteontem com um tiroteio de reações
contrárias ao artigo "Incentivo
ao Teatro?", que o secretário-executivo do MinC, Juca Ferreira, e o ator e presidente da
Funarte (órgão vinculado ao
ministério), Celso Frateschi,
publicaram nesta Folha.
No texto, os autores discutem a eficiência da Lei Rouanet, principal mecanismo de financiamento da atividade cultural no país, e apontam distorções em sua aplicação.
Frateschi e Ferreira dizem
que a redução do número de
sessões semanais dos espetáculos (de seis a oito antes da lei;
duas ou três atualmente) e o
encurtamento das temporadas
vão de encontro ao principal
objetivo da lei: universalizar o
acesso à cultura nacional.
A crescente concentração
das produções na região Sudeste, segundo os autores, é outro
fator que joga contra.
Mais uma distorção no uso
da Lei Rouanet apontado pelo
artigo é o fato de que produtores culturais passaram a extrair
maiores lucros com a captação
de recursos para montar as peças do que com suas respectivas bilheterias. Assim, "a razão
de ser do espetáculo não é mais
o público", sustenta o texto.
Mais à frente, no trecho que
mais causou desconforto entre
os produtores, Frateschi e Ferreira rebatem o argumento de
que "o teatro não se auto-sustenta economicamente" com
um exemplo: o de um proponente que, em cinco anos, captou R$ 40 milhões pela Rouanet, apesar do retrospecto de
"sucessos retumbantes" -ou
seja, os lucros de uma montagem poderiam bancar outras.
A Folha apurou que se trata
da Time for Fun (ex-CIE Brasil), multinacional por trás de
musicais como "O Fantasma da
Ópera" e "Miss Saigon". Procurada pela reportagem, a empresa não comentou o artigo.
Pecado e pecador
Paulo Pélico, diretor-secretário da Apetesp (Associação
dos Produtores Teatrais do Estado de São Paulo), diz que a argumentação de Frateschi e
Ferreira é "marcada pelo equívoco, pela simplificação grosseira do processo teatral; tenta
confundir a opinião pública fazendo aquela desonestidade intelectual de colocar o pecado, e
não o pecador [referência aos
R$ 40 milhões captados pela
CIE]". "Nós todos [produtores
independentes] entramos como milionários da produção
teatral, o que é mentira."
Produtor da peça "Salmo 91",
que levou dois prêmios Shell
em SP neste ano, Claudio Fontana acha "antipático da parte
do Frateschi, ele também um
produtor de teatro, dizer que o
problema são os produtores. A
situação da Lei Rouanet foi
criada pelo próprio governo,
que saiu da sua função, subsidiar a cultura, e transferiu esse
problema também para os produtores. A gente tem que jogar
segundo as regras do governo".
Para Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio (APTR),
"pensar que todos nós somos
CIE ou Time for Fun é desconhecimento completo da nossa
área. Somos a classe média do
teatro, que está tão achacada
quanto toda a classe média brasileira. Não é por que um proponente capta R$ 40 milhões
que a lei tem de ser extinta ou
que o incentivo fiscal não deu
certo. Há distorções que têm de
ser consertadas".
Secretaria nacional
Desvios de rota que produtores como Barata esperam que o
projeto de criação da Secretaria
Nacional de Teatro, em tramitação no Senado, ajude a corrigir. "Vemos a secretaria como
um espaço de discussão e formulação de políticas públicas
em que se tenha uma lei analisada por profissionais que entendam do fazer teatral. Não
podemos ter uma lei em que o
parecerista pergunte: "se você
tem cenógrafo, por que quer
programador visual?" É a esse
nível que se chega [hoje]!"
A classe faz lobby por uma lei
que acrescente ao mecenato
uma modalidade de "investimento" (já prevista na Rouanet, mas não colocada em prática), em que o patrocinador tem
incentivos fiscais menos significativos, mas adquire uma cota
do espetáculo (que lhe garante
participação nos lucros).
Ouvido pela Folha, Frateschi
diz que "eles [produtores] trabalham ainda sob o paradigma
da Lei Rouanet. Ela é uma das
formas de financiamento que o
Estado pode promover. Podemos ter outras, que trabalhem
com o teatro como direito de
cidadania, fator simbólico e atividade econômica."
O presidente da Funarte frisa, entretanto, tratar-se "de
uma discussão que está começando" e que os produtores
"são pessoas seriíssimas, interessadas no teatro; ninguém
quer se locupletar".
Curta temporada
As ponderações feitas no artigo acerca do aumento do número de montagens com temporadas curtas também são
questionadas pelos produtores.
"É verdade que se chega ao
ponto de algumas produções só
pegarem o patrocínio e estrearem [sem se preocupar com a
bilheteria]. Mas isso está relacionado à falta de critério e fiscalização na seleção [das peças
que podem captar patrocínio]",
opina João Falcão, produtor de
"A Máquina" e "O Drama".
Pélico diz lamentar que "dirigentes de primeiro escalão desconheçam que a redução de
sessões e do público deve-se ao
empobrecimento da classe média, à falência da educação, à
violência, ao problema da
meia-entrada e até ao trânsito".
Barata acrescenta que é preciso levar em consideração que
"os teatros públicos geralmente dão de dois a três meses para
um espetáculo estar em cartaz.
Mesmo quando fazemos sucesso, somos obrigados a sair".
Já Jorge Takla, diretor e produtor de "My Fair Lady" e
"West Side Story", se diz um
"privilegiado". "Os espetáculos
que faço têm recebido público
do Brasil inteiro. É possível fazer longas temporadas, sim."
Lei de fomento nacional
O governo, no entanto, tem
uma base de respaldo numa
parcela dos profissionais de
teatro. O articulador dessa vertente é o Redemoinho, reunião
de grupos que, na última quinta, organizou protestos em várias cidades contra o atual formato de incentivo fiscal. Defendem, em vez disso, fundos
geridos pelo poder público.
Ney Piacentini, presidente
da Cooperativa Paulista de
Teatro, diz que "não dá para
concordar com que o dinheiro
hoje pare nas mãos do artista
ou do produtor do espetáculo,
enquanto o grande público não
tem acesso ao bem cultural".
Com LAURA MATTOS, SILVANA ARANTES, VALMIR SANTOS E ADRIANA PAVLOVA
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