São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Ney e Cazuza: Daqui até a eternidade

Do encontro em Ipanema ao fim do namoro em que Cazuza cuspiu em sua cara e levou de volta um bofetão, Ney Matogrosso conta aquilo que a TV não vai mostrar em especial sobre a vida do roqueiro, morto em 1990

Carlos Ivan/Agência O Globo
Ney Matogrosso, que considera Cazuza (à dir.) um dos seus quatro grandes amores

Uma paquera na praia, sexo, ciúmes e concessões. Um escarro e um bofetão. O fim de um namoro, e uma amizade até o fim da vida. Assim foi a relação "de labaredas" dos cantores Ney Matogrosso, 67, e Cazuza (1958-1990), que será contada no especial da TV Globo "Por Toda a Minha Vida", sobre a vida de Cazuza, que vai ao ar ainda neste ano. O ex-frontman do Secos & Molhados diz que acha "muito estranho mesmo" nem sequer ter sido consultado pela emissora para dar informações que ajudassem no roteiro do programa. Na entrevista a seguir, Ney relata à repórter Débora Bergamasco como foi o rápido namoro com Cazuza, um dos quatro grandes amores de sua vida.

O NARRADOR
Eu nem sabia que esse especial da Globo abordaria a minha história com o Cazuza. Acho muito estranho mesmo estarem fazendo isso sem me consultar. Só soube porque ligaram para um assessor pedindo para me perguntar qual era o meu carro quando conheci o Cazuza. Não tenho noção do que eles pretendem. A minha história com ele só quem pode contar sou eu, o único que sobrou.

O INÍCIO
Conheci Cazuza na praia de Ipanema, no Rio [em 1979]. Ele chegou com uma amiga minha, e eu disse: "Quem é esse pivete com você?". Porque ele era um pivete. Ele tinha 18 anos, e eu, 39. Ficamos enlouquecidos, mas não rolou nada. Um dia, essa amiga foi em casa. Eu morava no Alto Leblon, num apartamento de três andares e meu quarto era no terceiro piso. Ela chegou, subiu, conversamos e disse: "O Cazuza tá lá embaixo". Mandei chamar. E ele veio. Tinha um jardim no meu quarto. Tudo aconteceu lá.

OS QUATRO AMORES
O Cazuza não foi o graaaande amor da minha vida. Foi um deles. Mas não foi o único. Tive quatro grandes amores. Ele era especial naquele momento. Mas outras pessoas especiais vieram. Namoramos em 1979. O Barão Vermelho aconteceu só em 1982, ele ainda não era famoso. É... ele já tinha o carma da vida dele, que era ser filho do João Araújo [ex-presidente da gravadora Som Livre].

OS QUATRO MESES
Foi pouco tempo. Uns quatro meses de labaredas. A maior dificuldade foi quando a família ficou sabendo. Nós saíamos para todo lugar juntos, não escondíamos de ninguém. O problema era ele ter uma relação homossexual com alguém famoso. Imagine: o filho do João Araújo está namorando o Ney. Quem ainda não sabia da sexualidade dele ficou sabendo.

 

Acho que os pais dele souberam quando estavam na Suíça. Imediatamente ordenaram que Cazuza embarcasse para lá. Ele não queria ir. Eu dizia: "Deixa de ser burro. Vai. Não vai perder essa oportunidade, não vai mudar nada, quando você voltar eu estarei te esperando". E ele: "Mas me disseram para levar uma amiga". Eu disse: "Vai, leva a amiga!". Ele deixou o carro na minha garagem. Quando ele voltou, o carro, que estava com a antena quebrada, já estava consertado.
 

Uma vez eu fui à casa dele, e houve uma conversa entre a família sobre relacionamento. No fim, ele me acompanhou até a porta e disse: "Eles não sabem o que é um relacionamento de verdade". Éramos muito apaixonados. Eu conheci um Cazuza que poucos conheceram. Um Cazuza desarmado, que, na intimidade, era a pessoa mais doce, que era encantador, por quem me apaixonei. Era carinhoso, bonitinho, sabe? Ele confiava em mim. Sabia que o que eu sentia era de verdade.
 

Eu falava: "Cazuza, você esconde o melhor de você. Você fica mostrando essa coisa escrota sua, que é uma mentira, uma máscara que você está usando. O melhor de você é encantador". E ele respondia: "Mas aquilo é fraco". Aquilo não era fraqueza. Era a força dele. Tô falando de um cara que pouca gente conheceu. Talvez o pai, a mãe e uns poucos amigos.

O ENTREVERO
Ele desapareceu por três dias. Daí chegou em casa com um traficante de pó todo sujo. Eu disse: "Ó, você pode sair daqui. Você e esse camarada, não quero vocês dentro da minha casa, não". Ele cuspiu em mim. Eu dei um bofetão nele e disse: "Ai, sai daqui... drogado!". E eu também era drogado. Ele gostava de cocaína, eu não curtia. Mas outras drogas a gente tomava juntos. Eu o achei muito folgado, desaparecer por três dias, não me dizer onde estava, voltar com um cara para dentro da minha casa que nem ele sabia quem era. O entrevero foi por isso. Não vou dizer que não senti, mas não podia conviver com esse descontrole dele com relação a droga. Era o que me incomodava.

CIÚME
Eu era uma pessoa muito ciumenta. De reações tempestuosas, de quebrar as coisas. Mas, na época do Cazuza, não era possível ter ciúme de ninguém. Estamos falando dos anos 1970. Era impossível! Tudo era liberado. O namorado que tive depois do Cazuza tinha muito ciúme dele. Uma vez ele me perguntou: "Ele beija bem?". Eu disse: "Beija". "Ele é gostoso?" Eu disse: "É". Ele me falou: "Eu quero transar com ele". Eu disse: "Tudo bem. Pode transar". E transaram. E depois ele voltou para me contar. Mas o Cazuza já tinha me dito antes. Se eles gostaram? Bem, foi uma vez só. Isso certamente não vai estar no programa da Globo, porque nunca falei isso antes.

AIDS
Sempre tive um senso de preservação muito grande. Tô vivo. Cerca de 80% dos meus amigos foram levados pela Aids, e eu tô aqui. Eu estive exposto da mesma maneira que eles. Namorei com uma pessoa que morreu disso e não fui contaminado. Mantínhamos relações regulares sem camisinha. Não tem explicação. Já pedi para vários médicos, ninguém soube dizer. Gostaria muito de saber o que há comigo que impediu essa doença de me pegar. Deus? Não acho que ele esteja preocupado com minha sexualidade.

MORTE
Não tenho medo da morte. Tenho medo de avião, de morrer explodindo, da morte violenta, é claro. Eu gostaria, se fosse possível, de reencontrar um dia todas as pessoas que amei na vida.

AMOR EXAGERADO
""O Cazuza tá lá embaixo." Mandei chamar. E ele veio. Tinha um jardim no meu quarto. Tudo aconteceu lá"

"O problema era ter relação homossexual com um famoso. Imagine: o filho do João Araújo está namorando o Ney. Quem não sabia da sexualidade dele ficou sabendo"

"Eu falava: "Cazuza, você esconde o melhor de você. Você fica mostrando essa coisa escrota sua, que é uma mentira"."

"Ele cuspiu em mim. Eu dei um bofetão nele e disse: "Ai, sai daqui... drogado!". E eu também era drogado"

"O namorado que tive depois do Cazuza tinha muito ciúme. Uma vez ele me perguntou: "Ele beija bem?". Eu disse: "Beija". "Ele é gostoso?" Eu disse: "É". Ele falou: "Quero transar com ele". Eu disse: "Tudo bem"."


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