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"ARTE E SOCIEDADE - UMA RELAÇÃO POLÊMICA"
Obras são apresentadas como agentes de outras falas
TIAGO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Tendo como pano de fundo
a idéia de preocupação social
na arte, a coletiva "Arte e Sociedade", aberta recentemente no Instituto Itaú Cultural, procura demonstrar as formas assumidas
por diferentes poéticas que trataram desse vínculo pronunciado.
Assumidamente, a curadoria de
Aracy Amaral enfatizou trabalhos
que marcam posição em questões
tópicas de sua época e tomaram
posição no debate público. Dividida em três núcleos cronológicos, um que vai de 1930 a 1945, outro de 1946 a 1970 e, por fim, o último que segue de 1971 e aporta em
2003, a mostra seleciona trabalhos que expressam as indignações de um período ou a vida social de alguns grupos.
Nos diversos recortes temporais, os trabalhos são relacionados
a canções, assim o espectador é
tentado a fazer conversar o que se
vê com o que sai dos falantes. Procura um assunto comum. Portanto, a relação entre arte e sociedade
buscada aqui, que poderia ser
abordada de inúmeras maneiras,
diz respeito a um uso social da arte, ao que ela tinha a dizer sobre
um determinado contexto.
O tal compromisso social aparece menos nas formas de realização da obra e mais num vínculo
que os trabalhos estabelecem com
manifestações laterais ao objeto
de arte, preferencialmente enraizados nos conflitos mais expressos no período, aos grandes debates. Dessa forma, a arte não aparece como um agente que ilumina o
que não foi dito, participa de discussões determinadas por outros.
Tal forma de lidar com o assunto, sob o ponto de vista artístico,
embora pareça problemática,
pois minimiza a ação da obra em
si, guarda algumas virtudes. A
mais expressiva nos informa sobre relações históricas latentes entre trabalhos que parecem não
guardar continuidade nenhuma
uns com os outros.
Na sala dedicada aos trabalhos
de 46 a 70, é possível identificar
uma linha histórica, que vai do
panfletarismo ilustrativo da gravura socialista que sai de Carlos
Scliar até certo teor publicitário
da pop mais engajada dos anos
70. Os quadros denunciam a passagem de um padrão de politização calcado numa idéia de consciência de classe, típico do PCB,
para outro, de denúncia anônima,
forte nas diversas agremiações de
resistência ao regime militar.
No entanto, apesar dessa capacidade de iluminar relações culturais interessantes e tácitas entre os
trabalhos, a forma da mostra acaba jogando-os numa vala comum
da qualidade. Ela nos fecha um
aspecto crucial da relação entre
arte e sociedade: a atuação específica das obras na sua capacidade
de elaborar a realidade.
Tratadas como forma de expressão de determinados anseios
históricos ou, no melhor dos casos, manifestação cultural de certos grupos urbanos, as obras deixam de ser avaliadas por sua capacidade específica de produzir
sentidos e passam a funcionar como um agente de outras falas.
Parece que a arte só se legitima
se servir em outros fronts, mostrando-se incapaz de, por si mesma, produzir relações mais francas e fortes com o mundo, mudando sua cara. Quem passa pela
exposição depara-se com vários
trabalhos que exigem esse desafio, mesmo que muitas vezes eles
apareçam para cantar em coro.
Tiago Mesquita é crítico de arte
Arte e Sociedade
Onde: Instituto Itaú Cultural (av.
Paulista, 149, São Paulo; tel. 0/xx/11/
3268-1777)
Quando: de ter. a sex., 10h/21h. Sáb.,
dom. e dia 1º/5, 10h/19h. Até 29/6.
Quanto: entrada franca
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