São Paulo, sábado, 29 de abril de 2006

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HISTÓRIA/"SANGUE & UÍSQUE"

Jack Daniel precisou enfrentar os puritanos

Obra narra a trajetória do inventor do uísque do Tennessee

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Lynchburg, no Tennessee, devia exigir de seus pioneiros uma boa talagada para tornar a existência suportável. Era um tempo difícil, aquele do início do século 19, quando a lei era pura ficção nos Estados Unidos. O próprio nome da cidade entrega o ambiente então reinante: Lynchburg vem de "linchar", prática a que os cidadãos recorriam na falta da justiça formal.
É nesse sul profundo de um país ainda embrionário que vai se fixar a família de Jack Daniel (1849-1911), o descendente de escoceses e irlandeses que supriria a demanda etílica daqueles homens rústicos ao produzir o uísque que daria fama à região. Em "Sangue & Uísque", Peter Krass traça um perfil do destilador que emprestou seu nome à garrafa que até hoje é sinônimo do uísque do Tennessee.
Atenção para não confundir com "bourbon", assim batizado por ser original de Bourbon County, em Kentucky. São bebidas aparentadas, ambas produzidas a partir do milho, mas cada qual com suas características. Por conta de diferenças no processo de filtragem, entre outras, o "bourbon" tem um suave buquê de baunilha, enquanto o uísque do Tennessee apresenta certo aroma defumado. As classificações só seriam oficialmente reconhecidas em 1941.
Ainda adolescente, Jack Daniel começou a fabricar uísque. Aprendeu o ofício na destilaria de um amigo da família, Dan Call, que o acolheu como filho depois que o pai viúvo morreu em 1864, durante a Guerra Civil. O Tennessee era um dos Estados confederados contra a União, e seus habitantes pagaram um preço alto pela opção. Com a economia destruída pelo conflito, os Estados separatistas foram obrigados a pagar mais impostos para cobrir os custos da guerra.
A crise veio junto com a oportunidade. Com muitos destiladores arrasados, era o momento de entrar de vez no ramo. Foi o que Dan Call fez. Luterano, entretanto, acabou se afastando do negócio por pressão da comunidade conservadora. Foi aí que Jack, já então seu sócio, pôde imprimir a marca pessoal à destilaria.
No auge da vida, gostava de contemplar o pôr-do-sol do alpendre de sua mansão saboreando uma dose de uísque, que ele tomava com pedras de gelo e um pequeno torrão de açúcar no copo, além de uma pitada de tanaceto, uma erva aromática.
A tranqüilidade seria passageira. A Lei Seca, que proibiu a venda de bebida alcoólica nos EUA por mais de dez anos, não lhe dava trégua muito antes de entrar em vigor, em 1919. Certo dia, em 1906, descontrolado em parte pela amolação que lhe causava a militância puritana, Jack chutou o cofre da empresa que não queria abrir. Feriu o pé esquerdo, o que provocaria a amputação da perna anos mais tarde. Solteiro e sem filhos, Jack legou a destilaria aos sobrinhos anos antes de morrer, em 1911.
É uma boa história, que no entanto Krass desperdiça por falta de fluência.


Oscar Pilagallo é editor das revistas "EntreLivros" e "História Viva" e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha)

Sangue & Uísque - A Vida e a Época de Jack Daniel
 
Autor: Peter Krass
Tradução: Marcos Santarrita
Editora: Imago
Quanto: R$ 50 (284 págs.)


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