São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A cultura da carteirinha

Produtores se mobilizam contra falso estudante que obtém documento para pagar meia-entrada; entidades estudantis dizem querer moralização e Congresso e governo discutem lei sobre os descontos

Divulgação
Rafael Raposo e Camila Pitanga em cena de "Noel - Poeta da Vila", longa dirigido por Ricardo Van Steen que estréia neste ano


DA REPORTAGEM LOCAL

Os cinemas brasileiros deram a largada há duas semanas a uma campanha contra uma categoria de público bem específica, a do "falso estudante".
É o tipo de espectador que não freqüenta os bancos escolares, mas possui uma carteirinha de identificação estudantil que lhe dá direito à meia-entrada em cinemas, teatros, shows e eventos esportivos.
A campanha, que começou nos cinemas, agora se alastra. A classe teatral carioca se articula para aplicar ofensiva idêntica, a partir de amanhã.
A iniciativa consiste em exigir dos portadores de carteirinhas consideradas "suspeitas" a apresentação de outros documentos que comprovem sua condição de estudante.
A Feneec (Federação Nacional das Empresas Exibidoras de Cinema) estima que, de cada duas carteirinhas de estudantes em uso hoje, uma seja indevida (de um "falso estudante".)
A cruzada dos exibidores logrou ao menos um efeito: (re)instalou no país o debate sobre a meia-entrada, benefício que existe desde os anos 30, com o fim de facultar aos estudantes acesso menos oneroso a produtos culturais em complemento à sua formação.

Desmoralização
"No Brasil tudo se distorce. A questão da meia-entrada não é o que parece. Ela está desmoralizada em sua finalidade essencial. Por mais antipático e antidemocrático que pareça, acho que tem de ser revista", diz Carlos Augusto Calil, secretário de Cultura da cidade de São Paulo.
"A gente acha que é correto buscarem moralização. Nós queremos moralização", diz Thiago Franco, presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), em coro com Gustavo Petta, presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes): "A meia-entrada por atacado, banalizada como está, prejudica os estudantes", afirma.
O prejuízo da "meia-entrada por atacado" é financeiro. E não atinge só os estudantes.
Ocorre que, quando o empreendedor supõe que a maior parte do público pagará meia-entrada, eleva o valor da inteira, para assegurar a rentabilidade por ele desejada. A questão é saber se uma reformulação no atual sistema provocará uma queda nos preços.
Valores salgados da inteira afastam parcela do público que não frauda carteirinhas e diminuem as chances de lotação.
"O que a gente não aprova é não ceder meia-entrada, estabelecer cotas ou a tal da meia para todos", diz o presidente da Ubes. A previsão de instituir uma cota para a venda de meia-entrada -de 40% a 50% do total de ingressos-está em diferentes projetos de lei em tramitação no Congresso.
A Feneec diz que a venda de meia-entrada nos cinemas saltou de 40%, antes de 2001, para atuais 70%. Em 2001, uma medida provisória assinada pelo então ministro da Educação Paulo Renato de Souza quebrou o monopólio da UNE e da Ubes na emissão de carteirinhas de estudantes.
Desde então, qualquer estabelecimento de ensino ou agremiação estudantil pode emitir o documento de identificação estudantil. A medida não determinou padronização das carteirinhas, o que dificulta o controle, dizem os exibidores.
O hoje deputado federal Paulo Renato de Souza (PSDB-SP) diz não se arrepender da decisão: "A mudança foi positiva. Antes tínhamos um monopólio, e era preciso democratizar".
No país não há lei federal que institua a meia-entrada, regida por legislações estaduais e municipais. Na semana passada, avançou sem emendas no Senado um projeto de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) sobre o tema. No texto, o senador ressalta que em São Paulo existem "mais de 30 mil cursos, de inglês a mecânicos de motos, todos emitindo carteiras estudantis sem nenhum critério, controle ou padronização".

"Cota justa"
O projeto de Azeredo estipula que a "concessão da meia-entrada fica limitada a 40% do total dos ingressos disponíveis para cada evento". Juca Ferreira, secretário-executivo do MinC (Ministério da Cultura), acha "razoável" a idéia de estabelecer uma cota para a meia-entrada. "O problema é chegar a uma cota justa", afirma.
Já o Ministério da Educação, que está estudando a questão da meia-entrada por determinação do presidente Lula, não é simpático à idéia das cotas.
O senador Azeredo, além da cota, propõe também que, por meio da Lei Rouanet, haja "ressarcimento aos produtores de espetáculos do benefício da meia-entrada". Desse ponto, o MinC discorda. "Há exagero nessa demanda. Se você jogar tudo na Lei Rouanet, estoura o mecanismo", diz Ferreira.
Na Câmara, desde o mês passado, três propostas diferentes foram apresentadas sobre o tema. O deputado Elismar Prado (PT-MG) apresentou projeto que assegura a qualquer pessoa menor de 21, ainda que não seja estudante, o direito à meia.
A idéia de criar limite de idade tem outros defensores, entre eles o atual ministro da Educação, Fernando Haddad, e um ex: "Defendo a meia-entrada por idade. Pode ser até 20, 22 anos, faixa em que a maioria estuda. Seria mais fácil controlar e mais democrático. Por que um jovem que tem de trabalhar e não pode estudar não tem direito à meia-entrada?", diz Paulo Renato de Souza.
Enquanto todos discutem, Ricardo Difini Leite, presidente da Feneec, comemora os resultados da campanha nos cinemas: "A resistência está sendo muito pequena".
(SILVANA ARANTES, LAURA MATTOS e DÉBORA YURI)

Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Estudantes defendem direito
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.