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A cultura da carteirinha
Produtores se mobilizam contra falso estudante que obtém documento para pagar meia-entrada; entidades estudantis dizem querer moralização e Congresso e governo discutem lei sobre os descontos
Divulgação
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Rafael Raposo e Camila Pitanga em cena de "Noel - Poeta da Vila", longa dirigido por Ricardo Van Steen que estréia neste ano |
DA REPORTAGEM LOCAL
Os cinemas brasileiros deram a largada há duas semanas
a uma campanha contra uma
categoria de público bem específica, a do "falso estudante".
É o tipo de espectador que
não freqüenta os bancos escolares, mas possui uma carteirinha de identificação estudantil
que lhe dá direito à meia-entrada em cinemas, teatros, shows e
eventos esportivos.
A campanha, que começou
nos cinemas, agora se alastra. A
classe teatral carioca se articula
para aplicar ofensiva idêntica, a
partir de amanhã.
A iniciativa consiste em exigir dos portadores de carteirinhas consideradas "suspeitas"
a apresentação de outros documentos que comprovem sua
condição de estudante.
A Feneec (Federação Nacional das Empresas Exibidoras
de Cinema) estima que, de cada
duas carteirinhas de estudantes em uso hoje, uma seja indevida (de um "falso estudante".)
A cruzada dos exibidores logrou ao menos um efeito:
(re)instalou no país o debate
sobre a meia-entrada, benefício
que existe desde os anos 30,
com o fim de facultar aos estudantes acesso menos oneroso a
produtos culturais em complemento à sua formação.
Desmoralização
"No Brasil tudo se distorce. A
questão da meia-entrada não é
o que parece. Ela está desmoralizada em sua finalidade essencial. Por mais antipático e antidemocrático que pareça, acho
que tem de ser revista", diz Carlos Augusto Calil, secretário de
Cultura da cidade de São Paulo.
"A gente acha que é correto
buscarem moralização. Nós
queremos moralização", diz
Thiago Franco, presidente da
Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), em
coro com Gustavo Petta, presidente da UNE (União Nacional
dos Estudantes): "A meia-entrada por atacado, banalizada
como está, prejudica os estudantes", afirma.
O prejuízo da "meia-entrada
por atacado" é financeiro. E
não atinge só os estudantes.
Ocorre que, quando o empreendedor supõe que a maior
parte do público pagará meia-entrada, eleva o valor da inteira, para assegurar a rentabilidade por ele desejada. A questão é saber se uma reformulação no atual sistema provocará
uma queda nos preços.
Valores salgados da inteira
afastam parcela do público que
não frauda carteirinhas e diminuem as chances de lotação.
"O que a gente não aprova é
não ceder meia-entrada, estabelecer cotas ou a tal da meia
para todos", diz o presidente da
Ubes. A previsão de instituir
uma cota para a venda de meia-entrada -de 40% a 50% do total de ingressos-está em diferentes projetos de lei em tramitação no Congresso.
A Feneec diz que a venda de
meia-entrada nos cinemas saltou de 40%, antes de 2001, para
atuais 70%. Em 2001, uma medida provisória assinada pelo
então ministro da Educação
Paulo Renato de Souza quebrou o monopólio da UNE e da
Ubes na emissão de carteirinhas de estudantes.
Desde então, qualquer estabelecimento de ensino ou agremiação estudantil pode emitir
o documento de identificação
estudantil. A medida não determinou padronização das carteirinhas, o que dificulta o controle, dizem os exibidores.
O hoje deputado federal Paulo Renato de Souza (PSDB-SP)
diz não se arrepender da decisão: "A mudança foi positiva.
Antes tínhamos um monopólio, e era preciso democratizar".
No país não há lei federal que
institua a meia-entrada, regida
por legislações estaduais e municipais. Na semana passada,
avançou sem emendas no Senado um projeto de Eduardo
Azeredo (PSDB-MG) sobre o
tema. No texto, o senador ressalta que em São Paulo existem
"mais de 30 mil cursos, de inglês a mecânicos de motos, todos emitindo carteiras estudantis sem nenhum critério,
controle ou padronização".
"Cota justa"
O projeto de Azeredo estipula que a "concessão da meia-entrada fica limitada a 40% do total dos ingressos disponíveis
para cada evento". Juca Ferreira, secretário-executivo do
MinC (Ministério da Cultura),
acha "razoável" a idéia de estabelecer uma cota para a meia-entrada. "O problema é chegar
a uma cota justa", afirma.
Já o Ministério da Educação,
que está estudando a questão
da meia-entrada por determinação do presidente Lula, não é
simpático à idéia das cotas.
O senador Azeredo, além da
cota, propõe também que, por
meio da Lei Rouanet, haja "ressarcimento aos produtores de
espetáculos do benefício da
meia-entrada". Desse ponto, o
MinC discorda. "Há exagero
nessa demanda. Se você jogar
tudo na Lei Rouanet, estoura o
mecanismo", diz Ferreira.
Na Câmara, desde o mês passado, três propostas diferentes
foram apresentadas sobre o tema. O deputado Elismar Prado
(PT-MG) apresentou projeto
que assegura a qualquer pessoa
menor de 21, ainda que não seja
estudante, o direito à meia.
A idéia de criar limite de idade tem outros defensores, entre eles o atual ministro da
Educação, Fernando Haddad, e
um ex: "Defendo a meia-entrada por idade. Pode ser até 20,
22 anos, faixa em que a maioria
estuda. Seria mais fácil controlar e mais democrático. Por que
um jovem que tem de trabalhar
e não pode estudar não tem direito à meia-entrada?", diz
Paulo Renato de Souza.
Enquanto todos discutem,
Ricardo Difini Leite, presidente da Feneec, comemora os resultados da campanha nos cinemas: "A resistência está sendo muito pequena".
(SILVANA ARANTES, LAURA MATTOS e DÉBORA YURI)
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