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FERREIRA GULLAR
Urgência e sensatez
Crer que criminalidade cairá sem se resolver questão do tráfico é tapar o sol com peneira
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A QUESTÃO da criminalidade
continua no centro das preocupações de nós todos. O aumento da violência chegou a um
ponto intolerável e isso tem mobilizado a opinião pública em todo o
país. E, a cada momento, novos fatos
vêm mostrar como essa é uma questão complexa e de difícil solução.
Já mais de uma vez, manifestei
minha opinião de que não se pode
apontar, como causa única da criminalidade, a desigualdade social. Certamente, as condições adversas em
que uma criança se crie podem influir sobre seu comportamento,
mas, como se sabe, a imensa maioria
dessas crianças não se encaminha
para o crime.
A redução da desigualdade deve
ser o objetivo primeiro de uma sociedade civilizada e digna, mas seria
ilusão pensar que, com isso, a criminalidade desapareceria. Os exemplos surgem a cada momento: nas
últimas semanas, noticiou-se que
jovens de classe média alta estão envolvidos com o crime. É inevitável
perguntar: se esses jovens nunca conheceram privações, não foram
criados num ambiente de violência e
têm até curso superior, por que se
tornaram criminosos?
Não pretendo ter a resposta para
essas perguntas, mas uma coisa é
certa: o criminoso pode surgir em
qualquer classe social, em qualquer
meio familiar independente do nível
cultural. Do contrário, como explicar a corrupção que grassa nas altas
rodas, envolvendo empresários, juízes e desembargadores?
Li recentemente um artigo acerca
da criminalidade entre os jovens de
menor idade, em que se relatava o
comportamento de um menino de
nove anos de idade que havia cometido furtos e agressões. Ao chegar à
delegacia, verificada sua pouca idade, foi ele solto mas, em lugar de se
dar por contente, cuspiu no rosto do
policial que o prendera e o ameaçou
de morte. Observou o autor do artigo que esses meninos conhecem
muito bem as garantias que lhes dá o
Estatuto da Criança e do Adolescente e delas se valem para agir livremente sem temer punições. E levanta a questão: até onde se deverá reduzir a maioridade penal, se um menino de nove anos já age desse modo? Conclui que a solução está na família e na escola.
Essa é a conclusão (equivocada) a
que muita gente chega. Claro que
dar afeto e educação às crianças é o
mínimo que se exige de uma sociedade civilizada. Mas não será isso
que impedirá o jovem de optar pelo
crime. Resumindo: ninguém sabe
exatamente qual o remédio mágico
que curará essa doença social. Acho
que esse remédio mágico não deve
ser buscado, simplesmente porque
não existe.
Se não me equivoco, o problema
nem sempre tem sido focalizado
com clareza e uma das principais razões dessa confusão é, a meu ver, o
diagnóstico errado de que a causa é
apenas social, quando ela pode ser
também psicológica, genética, patológica e freqüentemente vinculada
ao consumo e ao tráfico de drogas.
Imaginar que se reduzirá a criminalidade sem resolver o problema do
tráfico é tapar o sol com a peneira.
Devemos esquecer as medidas
mágicas e nos habituar com o fato de
que os problemas raramente ou
nunca têm soluções únicas e definitivas. Para atacá-los com êxito, é
preciso pensar com amplitude, isenção, método e paciência.
Um ponto que, a meu ver, deve ser
descartado é a suposição de que, se
determinada lei ou agravamento da
pena não reduz a criminalidade, de
nada adianta agravar a punição. O
ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos afirmou que a pena para
crimes hediondos deveria ser extinta porque sua vigência não reduzira
esse tipo de crime. Se fosse assim,
então deveríamos extinguir o próprio Código Penal, já que a criminalidade nunca parou de crescer. Raciocínio semelhante conduz a opor-se à redução da maioridade penal,
quando, tanto num caso como noutro, trata-se de dar à sociedade
meios de se defender da ação dos
criminosos. Na verdade, o critério
mais justo e eficaz seria aplicar aos
menores penas condizentes com a
gravidade do crime praticado.
A tese de que a causa da criminalidade é a desigualdade torna o bandido vítima e a sociedade, culpada. Em função disso, criam-se leis complacentes, que estimulam a prática do
crime. Não se trata, claro, de encerrar o condenado num calabouço como num inferno. O certo é fazer das
penitenciárias lugar de recuperação
e educação profissional do criminoso, mas suficientemente seguro para
mantê-lo, pelo tempo necessário,
longe do convívio social. Em suma,
deve-se compreender que uma coisa
é a busca de soluções a longo prazo e
outra, urgente, garantir a segurança
e a tranqüilidade dos cidadãos agora.
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