São Paulo, quinta-feira, 29 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NINA HORTA

Biscoito da sorte


O mistério nunca descoberto é onde surgiu o biscoito da sorte; a única certeza é a de que não foi na China


SE VOCÊ resolve ler sobre alguma coisa, vai descobrir desde histórias de verdade até anedotas sem graça ou engraçadas. Um dos livros chineses no qual me embrenhei trata dos biscoitinhos da sorte ou "fortune cookies". Na maioria das vezes, não entendo direito as suas mensagens. "Vou ser bastante feliz, algumas guerras me esperam etc." E muitos na mesma mesa tiram a sorte idêntica, o que provavelmente fará com que nos encontremos, felizes, no campo de batalha.
O mistério nunca descoberto é onde terá sido inventado o biscoitinho da sorte e a única certeza é a de que não foi na China.
Fui pesquisar "Brasil" no livro.
Em fevereiro de 2004, 15 pessoas ganharam a loteria e todas moravam perto umas das outras. Teria sido alguma fraude? A resposta não era de acreditar. Os cookies de um restaurante chinês chamado Chinatown, no Nordeste, é que haviam fornecido o número ganhador. O restaurante era dirigido pelo senhor Fong e seu filho Bob Fong.
O Fong mais velho viera para o Brasil há algum tempo e começou a pensar numa máquina que produzisse os tais biscoitos da sorte. (Não sei por que no Nordeste alguém precisaria de uma máquina. Era só fazer o biscoito. Logo que me conheci por gente, lembro que no dia 1º de abril minha mãe passava ovo batido em chumaços de algodão, fritava normalmente e dava para a criançada distribuir... Dentro vinha um bilhetinho com a data. Era sempre um sucesso, a pessoa ia de dentes naquele bolinho adoravelmente dourado só para achar o papelucho e rosnar de raiva. Saia justa foi quando um vizinho excessivamente educado agradeceu pelo muro. No ato de mastigar, dizia "hum, hum" e rolava aquele algodão na boca na nossa frente. E não tivemos coragem de avisá-lo, olhos estatelados. Pano rápido.)
Já ia saindo do assunto. Pois o Fong nordestino ainda não tinha como pesquisar na internet, lançou-se ao mundo, visitou cidades americanas, à procura da máquina. Só em 1995 recebeu uma carta de um coreano que morava nos Estados Unidos, engenheiro e fabricante dessas maquininhas da sorte. (Esse é um pedaço da história que não entendo, pois esses biscoitos já existiam no Brasil há décadas. Por que não teria se informado aqui mesmo?)
Mas Fong queria porque queria uma maquineta daquelas -vocês sabem como é quando se enfia uma coisa na cabeça-, foi a Boston, importou duas com impostos altos. Os nordestinos acharam graça e a tomaram imediatamente como chinesa, igual ao pastel. "Mas o pastel não é da China", ria Fong. "Nunca um chinês viu um pastel igual ao brasileiro!" (E não viu mesmo. A coisa mais parecida com um pastel é vendida nas ruas da Indonésia e chama-se martabak.)
O senhor Fong continuou lá, imaginando com seus botões que sua teimosia tinha dado frutos e que dera uma vida farta a gente que ele nem conhecia.
Bom, depois que saíram os tais prêmios de loteria, bem juntinho do senhor Fong, o governo resolveu mandar um investigador para Recife. Vai lá que esse chinês estivesse aprontando alguma! E ainda por cima anunciando os resultados dentro de "fortune cookies"! Chegando lá, ele deu com uma fabriqueta bem chinfrim, mas Fong não se dobrou a nenhuma pergunta menos digna.
Tinha a prova final. Se soubesse qual seria o número não haveria de enfiar num biscoito de sorte e não apostar?
Que ideia de jerico seria essa de indicar o número aos outros e não jogar?
Toda vez que vou a um restaurante chinês, com esperança que o senhor Fong acerte outra vez, guardo o papelzinho do biscoito, que só jogo fora quando troco a bolsa. Espero que ainda esteja à frente do restaurante e que tenha resistido à tentação terrível de jogar em todos os números que a maquineta rola por dia.

ninahorta@uol.com.br


Texto Anterior: Nº 1 só tem mesa livre em agosto
Próximo Texto: Vinho: Em último dia, feira traz bons goles
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.