São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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Hector Babenco estréia na TV com a série "Carandiru - Outras Histórias", que completa seu filme

Sobrevivendo no INFERNO

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Preso por ter assassinado um traficante, Reinaldo Pereira Gomes (Roberto Bomtempo) fuma nervosamente. Vai até a enfermaria pedir ajuda ao Médico (Luiz Carlos Vasconcelos), que o leva até a cozinha de um pavilhão da Casa de Detenção de São Paulo, onde vai começar o julgamento que decidirá qual de dois prisioneiros será o condenado à morte.
Nego Preto (Ivan de Almeida) é o juiz. O réu é o comerciante Virgílio (Cecil Thiré), que acaba de chegar ao Carandiru por ter matado um ladrão que fez sua companheira de refém num assalto.
O crime de Virgílio foi o de, em liberdade, ter conquistado a mulher de um preso, Reinaldo, algo imperdoável pela "ética" da cadeia. Reinaldo tem o direito de matá-lo. A encenação na enfumaçada cozinha, onde trabalham os presos mais respeitados, a cúpula do inferno, tem acusação e defesa -até a "traidora", Sonia (Xuxa Lopes), participa. A sentença dos presos é surpreendente.
Assim é "O Julgamento", o primeiro dos dez episódios da série "Carandiru - Outras Histórias", que estréia na Globo no próximo dia 10, após o "Globo Repórter". Com direção-geral do cineasta Hector Babenco, que debuta na TV, o seriado será precedido da exibição, no dia 6, do longa que o originou e que teve 4,8 milhões de espectadores nos cinemas do país.
Para quem acaba de ver ou rever o filme, de 2003, o primeiro episódio da série não tem tanto impacto. A duração é curta (30 minutos) e não há tantos figurantes como no longa. Mesmo assim, "Carandiru - Outras Histórias" é candidatíssimo a uma vaga entre os melhores programas da TV do ano. "A gente preferiu se centrar na qualidade das histórias e do elenco. E estamos lançando muita gente", diz Babenco.
Em "O Julgamento" não há sangue, violência, palavrões e gente usando drogas, embora retrate tudo isso. Feito para a TV, mas com linguagem cinematográfica, o seriado é mais light do que o filme. Os dois episódios que encerram a série, os únicos dirigidos por Babenco, tratam do amor entre homens "normais" e travestis, mas não há beijo na boca.
Babenco afirma que teve "total carta-branca" da Globo e que em nenhum momento sofreu censura. Diz que tomou certos cuidados porque sabe que no horário da série (23h) tem muita criança vendo televisão. "Tive muito claro que estou fazendo cinema para televisão, entretenimento para 30, 40 milhões de pessoas", diz.
Babenco também abriu mão de uma "série autoral", com suas marcas de "cineasta clássico", que filma com a câmera sempre à altura do olho do espectador.
O cineasta divide com Marcia Faria a direção dos episódios "Love Story 1" e "Love Story 2" (continuação da história de Lady Di/ Rodrigo Santoro e Sem Chance/ Gero Camilo com novos nomes). E entregou a direção dos outros oito a Walter Carvalho (diretor de fotografia e co-diretor de "Cazuza") e a Roberto Gervitz ("Jogo Subterrâneo"). Como no cinema, os roteiros são de Babenco, Victor Navas e Fernando Bonassi.
"Não há uma unidade narrativa. O Walter [Carvalho] tem o olho do fotógrafo. O [Roberto] Gervitz tem precisão no contar da história, é sem firulas. Eu aposto mais na loucura", conta Babenco.
Os dez episódios de "Carandiru - Outras Histórias", que custaram cada um de R$ 500 mil a R$ 600 mil (três vezes um capítulo de novela), não são continuação do filme, que saiu por R$ 12 milhões. O massacre de 111 presos, ponto alto do longa, só é lembrado em flashbacks. Parte das histórias foi inventada -não saíram de "Estação Carandiru", o livro de Drauzio Varella que originou tudo, embora conservem sua essência.
Os protagonistas da série são todos sobreviventes do massacre de 1992, menos Ezequiel (Lázaro Ramos). O episódio "Ezequiel, o Azarado" conta como o ex-surfista negro de cabelos descoloridos foi parar na Detenção. É uma história hilária, que não coube no filme, mas está nos extras do DVD de "Carandiru". Foi refilmada.
Babenco se diz "extremamente excitado com o resultado" da série, filmada em 16 mm e finalizada em alta definição. Cada episódio foi rodado em uma semana. A principal locação foi um dos pavilhões que ainda não ruiu.
Babenco tem contrato com a Globo por mais dois anos, mas afirma que não dará continuidade a "Carandiru", "mesmo que gostem muito". Encerra a série com uma nuvem de fumaça da implosão do presídio (ocorrida em 2002) invadindo o boteco em que está um protagonista, ex-preso. Seria uma metáfora?
"Sei lá, é apenas o fim, esta gesta acabou. Essas histórias são fruto da vontade de dizer algo mais sobre um projeto em que fiquei debruçado durante quatro anos, que não esgotou no filme. Eu nunca iria fazer televisão se não fosse algo dessa importância", diz.


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