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Hector Babenco estréia na TV com a série "Carandiru - Outras Histórias", que completa seu filme
Sobrevivendo no INFERNO
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Preso por ter assassinado um
traficante, Reinaldo Pereira Gomes (Roberto Bomtempo) fuma
nervosamente. Vai até a enfermaria pedir ajuda ao Médico (Luiz
Carlos Vasconcelos), que o leva
até a cozinha de um pavilhão da
Casa de Detenção de São Paulo,
onde vai começar o julgamento
que decidirá qual de dois prisioneiros será o condenado à morte.
Nego Preto (Ivan de Almeida) é
o juiz. O réu é o comerciante Virgílio (Cecil Thiré), que acaba de
chegar ao Carandiru por ter matado um ladrão que fez sua companheira de refém num assalto.
O crime de Virgílio foi o de, em
liberdade, ter conquistado a mulher de um preso, Reinaldo, algo
imperdoável pela "ética" da cadeia. Reinaldo tem o direito de
matá-lo. A encenação na enfumaçada cozinha, onde trabalham os
presos mais respeitados, a cúpula
do inferno, tem acusação e defesa
-até a "traidora", Sonia (Xuxa
Lopes), participa. A sentença dos
presos é surpreendente.
Assim é "O Julgamento", o primeiro dos dez episódios da série
"Carandiru - Outras Histórias",
que estréia na Globo no próximo
dia 10, após o "Globo Repórter".
Com direção-geral do cineasta
Hector Babenco, que debuta na
TV, o seriado será precedido da
exibição, no dia 6, do longa que o
originou e que teve 4,8 milhões de
espectadores nos cinemas do país.
Para quem acaba de ver ou rever
o filme, de 2003, o primeiro episódio da série não tem tanto impacto. A duração é curta (30 minutos)
e não há tantos figurantes como
no longa. Mesmo assim, "Carandiru - Outras Histórias" é candidatíssimo a uma vaga entre os
melhores programas da TV do
ano. "A gente preferiu se centrar
na qualidade das histórias e do
elenco. E estamos lançando muita
gente", diz Babenco.
Em "O Julgamento" não há sangue, violência, palavrões e gente
usando drogas, embora retrate
tudo isso. Feito para a TV, mas
com linguagem cinematográfica,
o seriado é mais light do que o filme. Os dois episódios que encerram a série, os únicos dirigidos
por Babenco, tratam do amor entre homens "normais" e travestis,
mas não há beijo na boca.
Babenco afirma que teve "total
carta-branca" da Globo e que em
nenhum momento sofreu censura. Diz que tomou certos cuidados
porque sabe que no horário da série (23h) tem muita criança vendo
televisão. "Tive muito claro que
estou fazendo cinema para televisão, entretenimento para 30, 40
milhões de pessoas", diz.
Babenco também abriu mão de
uma "série autoral", com suas
marcas de "cineasta clássico", que
filma com a câmera sempre à altura do olho do espectador.
O cineasta divide com Marcia
Faria a direção dos episódios "Love Story 1" e "Love Story 2" (continuação da história de Lady Di/
Rodrigo Santoro e Sem Chance/
Gero Camilo com novos nomes).
E entregou a direção dos outros
oito a Walter Carvalho (diretor de
fotografia e co-diretor de "Cazuza") e a Roberto Gervitz ("Jogo
Subterrâneo"). Como no cinema,
os roteiros são de Babenco, Victor
Navas e Fernando Bonassi.
"Não há uma unidade narrativa.
O Walter [Carvalho] tem o olho
do fotógrafo. O [Roberto] Gervitz
tem precisão no contar da história, é sem firulas. Eu aposto mais
na loucura", conta Babenco.
Os dez episódios de "Carandiru
- Outras Histórias", que custaram
cada um de R$ 500 mil a R$ 600
mil (três vezes um capítulo de novela), não são continuação do filme, que saiu por R$ 12 milhões. O
massacre de 111 presos, ponto alto
do longa, só é lembrado em flashbacks. Parte das histórias foi inventada -não saíram de "Estação Carandiru", o livro de Drauzio Varella que originou tudo,
embora conservem sua essência.
Os protagonistas da série são todos sobreviventes do massacre de
1992, menos Ezequiel (Lázaro Ramos). O episódio "Ezequiel, o
Azarado" conta como o ex-surfista negro de cabelos descoloridos
foi parar na Detenção. É uma história hilária, que não coube no filme, mas está nos extras do DVD
de "Carandiru". Foi refilmada.
Babenco se diz "extremamente
excitado com o resultado" da série, filmada em 16 mm e finalizada
em alta definição. Cada episódio
foi rodado em uma semana. A
principal locação foi um dos pavilhões que ainda não ruiu.
Babenco tem contrato com a
Globo por mais dois anos, mas
afirma que não dará continuidade
a "Carandiru", "mesmo que gostem muito". Encerra a série com
uma nuvem de fumaça da implosão do presídio (ocorrida em
2002) invadindo o boteco em que
está um protagonista, ex-preso.
Seria uma metáfora?
"Sei lá, é apenas o fim, esta gesta
acabou. Essas histórias são fruto
da vontade de dizer algo mais sobre um projeto em que fiquei debruçado durante quatro anos, que
não esgotou no filme. Eu nunca
iria fazer televisão se não fosse algo dessa importância", diz.
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