São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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DANÇA

Aclamado pelo público, o coreógrafo, que completou 50 anos de carreira, divide opiniões entre profissionais do meio

Béjart tem imagem ambígua entre seus pares

ROSITA BOISSEAU
DO "MONDE"

Aos 78 anos, com mais de 250 balés, Maurice Béjart goza de uma posição de astro quase intocável junto ao público, que assistiu em Paris na semana passada espetáculos em celebração dos 50 anos de sua carreira. Por outro lado, o meio da dança contemporânea, para cujo desenvolvimento ele contribuiu com o Mudra, sua escola em Bruxelas, o cita pouco.
Enquanto a filiação a Merce Cunningham é regularmente mencionada, Béjart raramente aparece como um modelo reivindicado. Popular demais, sem dúvida, menos inventor de gestos que Cunningham, mais dedicado a contar histórias e a trabalhar com o espetacular, ele goza de uma imagem ambígua. "Aos 20 anos eu o achava ultrapassado", afirma a coreógrafa Mié Coquempot. "Dez anos depois, estou impressionada pela revolução que ele provocou nos anos 50, por seu projeto Mudra e por sua companhia, o Balé do Século 20, sua nova escola Rudra, em Lausanne, e sua companhia."
A opinião de Coquempot reflete amplamente os sentimentos dos coreógrafos contemporâneos e testemunha uma evolução das mentalidades. "Eu quero ser chamado de ultrapassado se chegar aos 80 anos depois de ter atravessado uma época, como ele", exclama o coreógrafo Abou Lagraa, 30. "Ele conseguiu fazer da dança uma arte universal e a impôs como profissão estabelecida. Eu o considero um exemplo para os jovens. Mesmo que o que ele encena atualmente esteja ultrapassado, seu espírito, sua filosofia, o descerramento das práticas que ele instaurou continuam atuais."
Surpresa: a maioria dos coreógrafos conhecem pouco os espetáculos de Béjart. Poucos os assistiram, a não ser alguns em vídeo. "Na França, há uma verdadeira lacuna chamada Béjart", diz Marco Berrettini. "Parece-me que há um enorme fosso entre sua contribuição, para mim superficial e insignificante, e a imagem de que goza. Vi algumas de suas peças, e sua maneira simplista de tratar a música é insuportável."
O caso "Mudra", por outro lado, geralmente obtém unanimidade. O coreógrafo Bernardo Montet, que se beneficiou de seus cursos pluridisciplinares em 1977-1978, lembra-se de seu primeiro encontro com Béjart depois de uma audição: "Ele me atirou: "Você é ruim, mas vou aceitá-lo assim mesmo". Todos os seus cursos eram de alto nível. Descobri, de maneira magistral, a música contemporânea, e, pela primeira vez, pessoas que vinham de todos os países do mundo e nos permitiam conhecer culturas diferentes."
Para Philippe Decouflé, reprovado na audição, a influência de Maurice Béjart se mede pelo padrão de seus sonhos adolescentes. Dono nos anos 70 do famoso disco de Pierre Henry, "Messe Pour le Temps Présent", ele sonhava olhando a foto da capa, com homens de jeans e coreografava mentalmente passagens inteiras desse trecho. "Quando vi o espetáculo alguns anos depois, com 16 anos, fiquei decepcionado. Era menos moderno do que eu imaginara, mas ainda assim impressionante. Há muito Béjart deixou de me interessar. Isso não impede que tenha sido um estopim e, a seu modo, um precursor."
Béjart precursor? O termo surge com freqüência. Régine Chopinot não hesita em evocar suas primeiras peças como "obras de vanguarda". Angelin Preljocaj, que viu "A Sagração da Primavera" (1959), em 2004, afirma: "Esse balé atravessou o tempo conservando sua vitalidade. Estou impressionado pelo fato de que hoje ele faça parte do repertório de várias companhias e tenha resistido".
Béjart popular? Uma banalidade, um clichê que paradoxalmente causa reflexão, no atual contexto de frieza do público. O sucesso de Béjart dinamita os propósitos convencionais sobre a democratização da arte e sua necessária facilidade de acesso. Preljocaj, que se confessa obcecado pelo assunto, pergunta: "Foi a necessidade de estar em sintonia com um grande público que o fez abandonar suas pesquisas e conter sua ousadia?".


Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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