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"Aurélia" cumpre o que promete, mas esquece "espada" e opta pelo feminino
PASQUALE CIPRO NETO
COLUNISTA DA FOLHA
Está na página 5 da "Aurélia",
com todas as letras: "Este dicionário não tem a pretensão de
ser politicamente correto".
Adiante, vem esta observação:
"Nossa intenção é a de levantar
o maior número possível de
termos ligados de alguma forma à cultura gay e lésbica". Pois
aí já temos (ou teríamos) o primeiro embate relativo ao "politicamente correto": o fundo da
obra é a cultura gay e lésbica,
mas a opção foi pelo (gênero)
feminino (o subtítulo da obra é
"A Dicionária da Língua Afiada"; o prefácio não é prefácio, é
"prefácia"). O pau já começa a
rolar entre os próprios produtores do "corpus" do dicionário,
digo, da dicionária. Espadas e
bibas que se entendam.
No "Houaiss", a segunda definição de "dicionário" (que se
dá por extensão da que todos
conhecem) é esta: "Compilação
de alguns dos vocábulos empregados por um indivíduo
(por exemplo, um escritor), um
grupo de indivíduos, ou usados
numa época, num movimento
etc.". Pois é nessa categoria que
se enquadra a "Aurélia", cujo
repertório inclui muitos termos que "são chulos e pejorativos, podendo ser ofensivos para
determinadas pessoas ou grupos". Resta saber se ainda há
quem se ofenda com isso.
Quem tiver o trabalho de ler
"a prefácia" vai encontrar nela
uma importante observação
sobre esse tipo de dicionário,
"exigido pela nossa época".
Trata-se do dicionário lingüístico, isto é, o que leva em conta
não apenas a lexicologia (o estudo do vocábulo quanto ao seu
significado, morfologia etc.),
mas também a lexicografia
(que diz respeito aos princípios
de seleção do vocabulário, ao
ambiente em que se usam determinados vocábulos etc. -à
noção de valor, enfim).
Posto isso, convém dizer que
muitos dos verbetes são dispensáveis, por não serem exclusivos do mundo gay-lésbico.
Por outro lado, nota-se a falta
de alguns que -supõe-se- lá
deveriam estar. Um deles é justamente "espada". Cadê?
Daqui para a frente, é com
você, leitor. Com uma ou outra
lacuna, a dicionária cumpre o
que promete. Se o que ela retrata for de seu interesse, vá fundo. Se não for, deixe quieto.
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