São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 2006

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"Aurélia" cumpre o que promete, mas esquece "espada" e opta pelo feminino

PASQUALE CIPRO NETO
COLUNISTA DA FOLHA

Está na página 5 da "Aurélia", com todas as letras: "Este dicionário não tem a pretensão de ser politicamente correto". Adiante, vem esta observação: "Nossa intenção é a de levantar o maior número possível de termos ligados de alguma forma à cultura gay e lésbica". Pois aí já temos (ou teríamos) o primeiro embate relativo ao "politicamente correto": o fundo da obra é a cultura gay e lésbica, mas a opção foi pelo (gênero) feminino (o subtítulo da obra é "A Dicionária da Língua Afiada"; o prefácio não é prefácio, é "prefácia"). O pau já começa a rolar entre os próprios produtores do "corpus" do dicionário, digo, da dicionária. Espadas e bibas que se entendam.
No "Houaiss", a segunda definição de "dicionário" (que se dá por extensão da que todos conhecem) é esta: "Compilação de alguns dos vocábulos empregados por um indivíduo (por exemplo, um escritor), um grupo de indivíduos, ou usados numa época, num movimento etc.". Pois é nessa categoria que se enquadra a "Aurélia", cujo repertório inclui muitos termos que "são chulos e pejorativos, podendo ser ofensivos para determinadas pessoas ou grupos". Resta saber se ainda há quem se ofenda com isso.
Quem tiver o trabalho de ler "a prefácia" vai encontrar nela uma importante observação sobre esse tipo de dicionário, "exigido pela nossa época". Trata-se do dicionário lingüístico, isto é, o que leva em conta não apenas a lexicologia (o estudo do vocábulo quanto ao seu significado, morfologia etc.), mas também a lexicografia (que diz respeito aos princípios de seleção do vocabulário, ao ambiente em que se usam determinados vocábulos etc. -à noção de valor, enfim).
Posto isso, convém dizer que muitos dos verbetes são dispensáveis, por não serem exclusivos do mundo gay-lésbico. Por outro lado, nota-se a falta de alguns que -supõe-se- lá deveriam estar. Um deles é justamente "espada". Cadê?
Daqui para a frente, é com você, leitor. Com uma ou outra lacuna, a dicionária cumpre o que promete. Se o que ela retrata for de seu interesse, vá fundo. Se não for, deixe quieto.


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