São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 2006

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Cannes premia drama antibritânico

Filme de Ken Loach sobre a guerra civil irlandesa desbanca os favoritos Pedro Almodóvar e Alejandro González Iñárritu

Vencedor da Palma de Ouro fez discurso antiimperialista ao receber a premiação; presidente do júri disse que decisão foi unânime

Pascal Guyot/France Presse
O cineasta inglês Ken Loach com a Palma de Ouro de Cannes


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

O drama histórico sobre a guerra civil irlandesa "The Wind that Shakes the Barley", do cineasta inglês Ken Loach, venceu ontem a Palma de Ouro do 59º Festival de Cannes, desbancando os favoritos da crítica -"Volver", do espanhol Pedro Almodóvar (premiado como melhor roteirista), e "Babel", do mexicano Alejandro González Iñárritu (que ficou com o troféu de melhor diretor).
"The Wind that Shakes the Barley" é ambientado no início dos anos 20. Mostra dois irmãos que se engajam na luta pela independência da Irlanda e terminam de lados opostos, após a assinatura de um acordo com o governo britânico.
"Nosso filme é um pequeno passo na direção de confrontar o Reino Unido com a história imperialista. Talvez, se ousarmos dizer a verdade sobre o passado, ousemos dizer a verdade também sobre o presente", disse Loach, ao receber o troféu. Nem todos no Palácio dos Festivais se levantaram para aplaudir o vencedor, numa clara divisão da platéia entre os entusiastas e os desiludidos com o resultado.
O presidente do júri, o cineasta chinês Wong Kar-Wai, disse que a decisão foi unânime. Mas, na entrevista seguinte à cerimônia de premiação, algumas fissuras entre os jurados vieram à tona.
Kar-Wai lamentou "a pequena quantidade de prêmios para um número tão grande de bons filmes". Eram 20 filmes na disputa, e seis levaram prêmios.
Nas categorias melhor ator e melhor atriz, o júri concedeu troféus coletivos -ao elenco feminino de "Volver" e ao elenco masculino de "Indigènes", de Rachid Bouchareb. A justificativa do presidente do júri para a decisão é que este foi "um ano excepcional para atores".
Feita a ressalva sobre a exigüidade dos prêmios, Kar-Wai disse que gostaria de citar títulos especialmente discutidos pelo júri: o chinês "Summer Palace", de Lou Ye, o português "Juventude em Marcha", de Pedro Costa, e o italiano "L'Amico di Famiglia", de Paolo Sorrentino.
"Eles [os outros jurados] sabem o quanto eu sofri pelo filme de Sorrentino", disse a atriz italiana Monica Bellucci. Seus colegas de júri também confessaram preferências.
O ator inglês Tim Roth citou "Summer Palace", a cineasta Lucrecia Martel, "Juventude em Marcha", e o diretor francês Patrice Leconte, "Laitakaupungin Valot", de Aki Kaurismaki. "Quero deixar claro que todos nós amamos o filme de Loach. O impacto que ele nos causou permaneceu durante todo o festival. Íamos vendo os outros filmes, e ele estava sempre lá, num cantinho do coração", disse Leconte.
"The Wind that Shakes the Barley" foi o primeiro título exibido na competição, no dia 18. "Volver" passou no dia seguinte e tornou-se o favorito imbatível da crítica.

Maldição
"Ser favorito neste festival é uma maldição", disse Almodóvar. "Se você for favorito aqui, pode ter a certeza de que não vai ganhar", disse o espanhol, que concorreu à Palma de Ouro com "Tudo Sobre Minha Mãe" (1999) e acabou premiado como melhor diretor. "Foi exatamente a mesma coisa. Eu era o absoluto favorito", afirmou.
No palco, quando foi receber seu "prêmio de consolação" deste ano, como melhor roteirista, Almodóvar agradeceu as atrizes. "Elas me agüentaram em dias em que eu estava com o humor pior do que hoje", disse.
O elenco feminino de "Volver" já havia sido premiado quando Almodóvar subiu para receber seu troféu. Nos agradecimentos ao diretor, as atrizes pareciam fazer um desagravo antecipado à Palma de Ouro perdida. "Você é o melhor diretor do mundo", disse Blanca Portillo, num cumprimento que Penélope Cruz repetiu, somado a um "amo você de todo o coração".
A cerimônia de encerramento do Festival de Cannes teve uma nota política além do discurso de Loach. Os atores do filme "Indigènes" -que aborda uma dívida da França com os veteranos argelinos que combateram contra a ocupação nazista-, cantaram o hino de guerra dos soldados africanos.
O mestre de cerimônias Vincent Cassel citou o Carnaval em comparação a Cannes. "Estamos todos cansados. Doze dias é um longo prazo. É muito, se pensarmos que o Carnaval do Rio dura quatro", disse.


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