São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2008

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Comida

Muito além de cereal

Iogurte escapa do café da manhã e aparece no jantar paulistano, da Augusta ao Itaim Bibi, em pratos como o indiano roghan gosht e o ayran de hortelã

MAURÍCIO HORTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Às margens do deserto de Thar, na Índia, ele é lassi açucarado e espesso, decorado com estigmas de açafrão. Já nas lanchonetes de Teerã e de Istambul, é ayran ralo e salgado, que acompanha o sanduíche de carneiro -o mesmo kebab com molho de iogurte vendido em biroscas de rivais gregos e turcos em São Petersburgo, Frankfurt ou Londres.
Em sua travessia pela Eurásia e pelo Atlântico, o iogurte conviveu com o carneiro, as saladas e as frutas vermelhas até, no Brasil, transformar-se em promessa de intestino regulado -"Se não funcionar, a Danone devolve seu dinheiro". Agora, ganha o espaço merecido nas mesas de São Paulo.
Não que falte mérito no discurso de saúde. Segundo a nutricionista do Hospital do Coração Isabela Pimentel, o iogurte é melhor que o leite para quem tem intolerância à lactose, pois já vem em parte digerido por bactérias. Também diminui as calorias ao substituir o creme de leite ou a maionese. Mas foi o olhar paulistano para o Oriente que levou o iogurte da geladeira para a panela.

Para todos
Desde o fim de janeiro, as paredes de vidro -e os jovens garçons com camisetas estampadas "Just Do E.A.T"- convidam os modernos do Itaim Bibi à cozinha leve e eclética do e.a.t. Casual Food. No cardápio, o iogurte aparece no multicultural cuscuz marroquino de frango ao garam masala, do chef Fernando Corsi.
Mas, desde o ano passado no Kebab Salonu, Rodrigo Libbos já conduzia os modernos da Augusta pelos mundos gastronômicos árabe, hebraico, balcânico, turco, persa e indiano, por meio de seus denominadores comuns -kebab e iogurte. Seu döner reaproximou inimigos ao transformar o tradicional sanduíche turco num wrap de carneiro grelhado, salada e coalhada seca enrolados no lavosh, pão-folha armênio. Para acompanhar, trouxe o ayran de hortelã, em que iogurte batido com cinco folhinhas de hortelã e uma pitada de sal é diluído na água com gás.
Não demoraria para o Turquistão paulistano chegar à esfera do shopping center. O Kosebasi, rede mundial de restaurantes turcos, oferece como entrada o kösheganush -patê de berinjela temperada com coalhada seca e tahini- e o cacik, originalmente uma sopa gelada de iogurte com óleo de oliva, alho, pepino, dill, hortelã e vinagre, porém mais consistente no Kosebasi, ao substituir o iogurte por coalhada seca.
Neste domingo, o chef indiano Dinesh Rajput reassume o Govinda, primeira casa onde trabalhara ao chegar em São Paulo, em 2007. Da Caxemira, o restaurante-bazar traz o roghan gosht, um curry de cordeiro que leva iogurte no molho. Já no murgh mumtaz do Delhi Palace, o iogurte é usado para marinar cubos de frango, depois levemente assados e cobertos com creme de leite e molho de tomate.

Coalho
"Uma coisa é iogurte, outra coisa é coalhada", diz Beto Isaac, dono do restaurante Arabesco, que, junto aos pratos sírio-libaneses mais populares, serve o shih barak, massa assada com recheio de carne e mergulhada na coalhada fresca.
Segundo Walkiria Viotto, da faculdade de engenharia de alimentos da Unicamp, a diferença são as bactérias utilizadas para a fermentação, que, no caso do iogurte, produzem o acetaldeído, componente que define seu sabor.
"A coalhada é um dos mais polivalentes elementos da culinária árabe", diz Isaac. "O árabe começa a manhã com uma coalhada fresca. No almoço, come a mijadra [arroz com lentilha] com coalhada ou o homus e quibe -com coalhada seca. No lanche da tarde, toma coalhada com alguma calda. À noite, pode achar o quibe cru indigesto. Então, come mais coalhada."


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