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FÓRUM CULTURAL MUNDIAL
O inédito "Terra e Cinzas", de Atiq Rahimi, tem sessão em SP com a presença do cineasta
Filme traz a dor da guerra por um afegão
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Sobreviventes a um bombardeio que destruiu sua aldeia e sua
família, o velho Dastaguir e seu
neto Yassin peregrinam pelo Afeganistão. O homem carrega a
idéia de que, "na guerra, os mortos estão melhor do que os vivos".
Para o menino, "o tanque aprisionou todas as vozes". Tornado de
súbito surdo pela explosão, Yassin acha que o mundo silenciou.
Os personagens que o autor afegão Atiq Rahimi tornou célebres
com o livro "Terra e Cinzas" (Estação Liberdade) poderão ser vistos hoje, em São Paulo, em sua encarnação cinematográfica, no filme dirigido pelo próprio escritor.
"Terra e Cinzas" pré-estréia na
presença de Rahimi, em sessão da
mostra 20 Anos Fonds Sud (co-produtor do longa), que integra a
programação artística do Fórum
Cultural Mundial.
No filme, como no livro, Rahimi
faz poesia com uma história de
dor e desolação. E encontra modos essencialmente cinematográficos de enunciar suas idéias, como quando, após uma lúdica caça
a um animal visto no caminho,
Yassin o perde para uma mina
terrestre. Deve haver poucas demonstrações mais precisas de que
as artimanhas da guerra roubam,
a um só tempo, a vida e a possibilidade de se divertir com ela.
Na entrevista a seguir, Rahimi
fala de sua obra.
Folha - O sr. teve uma idéia literária e uma idéia cinematográfica sobre o mesmo tema? Ou se esforçou
para traduzir seu livro em filme?
Atiq Rahimi - Quando deixei o
Afeganistão, em 1984, e me exilei
na França, não via razão para seguir com meus estudos literários.
Precisei de outra linguagem para
me expressar, e foi a da imagem.
Estudei cinema na França.
"Terra e Cinzas" começou como uma sinopse e, aos poucos,
transformou-se num livro. Quando saiu, uma produtora me propôs adaptá-lo. Eu me lancei nessa
aventura, que foi uma armadilha.
O livro é íntimo demais, interiorizado. Minha idéia foi ir além dele. Não queria me repetir nem traduzir cada palavra em imagem.
Queria falar de outras coisas e dizê-las de uma forma diferente.
Folha - No filme, o sr. trata os personagens de modo menos interpelativo e mais observador. Como
avalia sua tradução para o cinema?
Rahimi - No filme, procurei ressaltar um pressuposto ideológico,
tanto na narrativa como na direção. Isso porque percebi que, numa história como esta, seria fácil
cair no miserabilismo e no sentimentalismo que o mundo espera
de um país como o Afeganistão.
Então busquei uma mise-en-scène em que os atores (não-profissionais) fossem como modelos
(na expressão de Robert Bresson),
o que permite uma distância entre
eles e a história, entre o filme e o
espectador.
Folha - No filme, há a mulher na
beira da estrada, de quem ninguém sabe nada, e a imagem fugidia da mulher de Murad. É um retrato da situação inapreensível das
mulheres no Afeganistão?
Rahimi - Esse é um dos pontos
que quis desenvolver. A sociedade afegã, estando ou não sob o Taleban, reprime as mulheres. Depois da queda do Taleban [em
2001], notamos que as condições
existenciais, sexuais, sociais, econômicas e culturais das mulheres
não melhoraram.
Porque essas condições não dependem só da situação política do
país mas dos homens e do sistema
patriarcal que eles instalaram, em
nome da tradição ancestral, religiosa. É preciso denunciá-lo.
Folha - Considerando sua participação no fórum, qual deve ser o
grande debate cultural de hoje?
Rahimi - Não podemos combater a mediocridade do mundo pela política, mas sim pela cultura,
que prova que o sofrimento de
um afegão é igual ao de um americano; que o sangue de um africano tem o mesmo valor do de um
francês; que o amor é tão poético
no Brasil quanto na Índia, que as
azeitonas de um camponês palestino têm o mesmo gosto das de
um camponês israelense; que...
TERRA E CINZAS. Direção: Atiq Rahimi.
Onde: Cineclube DirecTV (r. Augusta,
2.530, SP, tel. 0/xx/11/3085-7684).
Quando: hoje, às 19h. Quanto: grátis.
Leia mais sobre o Fórum Cultural Mundial na Folha Online (www.folha.com.br/especial/2004/forumculturalmundial)
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