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COMIDA
A riqueza do cerrado
Pirenópolis, em Goiás, preserva tradições gastronômicas há quase 300 anos
RACHEL BOTELHO
ENVIADA ESPECIAL A PIRENÓPOLIS
Fundada por bandeirantes
no século 18, a cidade goiana de
Pirenópolis permaneceu praticamente isolada até meados da
década de 1960, quando Brasília começou a ser ocupada. Graças a esse histórico peculiar, os
visitantes que estiveram no 3º
Festival Gastronômico e Cultural de Pirenópolis, realizado
entre os dias 22 e 25 de junho,
puderam voltar quase três séculos no tempo para experimentar os sabores da culinária
tradicional do cerrado.
Forjada a partir do encontro
entre índios que habitavam a
região com tropeiros e escravos
que se embrenharam no desconhecido Centro-Oeste brasileiro em busca de ouro, a cozinha
local utiliza ingredientes que
remetem a um passado de escassez, quando a vegetação nativa era a maior fonte de subsistência.
"Faltava comida porque os
exploradores vieram a Goiás
garimpar, não plantar. Além
disso, o solo era pedregoso onde havia ouro", afirma Telma
Lopes Machado, proprietária
da fazenda Babilônia, um antigo engenho de cana-de-açúcar
nos arredores da cidade.
O maior legado dos índios foi
a mandioca, utilizada na forma
de farinha e em receitas como o
mané pelado (bolo) e o pau-a-pique (uma variação do beiju).
O porco na lata, como é chamada a carne conservada na gordura do próprio animal, integrava a matula carregada pelos
bandeirantes em suas longas
viagens, na qual a paçoca de
carne-seca também era item
indispensável. O milho, presente em inúmeras receitas, é
em grande parte um legado dos
africanos, que já o utilizavam
para fazer fubá.
Pequi e guariroba
Embora guarde semelhanças
com a culinária mineira, com a
qual compartilha pratos como
a costelinha de porco e o feijão
tropeiro, a cozinha pirenopolina emprega também frutas típicas do cerrado, como pequi,
cagaita e cajuzinho, e ingredientes de amargor notável, como a guariroba (espécie de palmito) e a jurubeba (fruto semelhante à ervilha).
Para os chefs de São Paulo
Mara Salles (Tordesilhas) e
Eduardo Duó (Vira-Lata), que
prepararam um dos jantares do
festival, o cerrado produz alimentos de sabor muito intenso.
"É tudo muito seco, então a
força necessária para gerar esses frutos deve acabar concentrando os aromas, os sabores. O
que é amargo é muito amargo, o
doce é muito doce", afirma Mara Salles.
Diferentemente do que ocorria no passado, quando os habitantes de Pirenópolis recorriam a frutos que serviam de
alimento ao gado e aos animais
silvestres por falta de opção,
chefs convidados de outros Estados vêem na pouco explorada
culinária local uma enorme riqueza.
Beto Pimentel, do restaurante Paraíso Tropical, de Salvador
(BA), se encantou com a castanha de baru, a grande vedete da
cozinha do cerrado.
Castanha do cerrado
Rica em proteínas, cálcio e
ferro, a castanha vem sendo estudada pela Embrapa Cerrados
desde a década de 1980. Nos últimos anos, a despeito das dificuldades inerentes à colheita
extrativista, pequenas empresas de Goiás passaram a investir em produtos à base dessa
noz de formato elíptico.
Manuel Aponte, proprietário
do Trem do Cerrado, que fabrica artesanalmente biscoitos e
barras de cereais com a castanha, vê no alimento mais que
uma fonte de renda. "A fronteira agrícola pára onde os produtos do cerrado são utilizados. É
uma maneira de preservá-lo",
acredita.
A jornalista RACHEL BOTELHO viajou a convite
da organização do 3º Festival Gastronômico e
Cultural de Pirenópolis
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