BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O cinismo marcou a cultura pop dos anos 90. Havia excesso de referências e a sensação de fim da história: não por acaso o ícone maior desses anos é o niilismo de Kurt Cobain. Restou algo?
"O Balconista 2" é continuação de um filme que sintetiza o espírito dessa época. Com o primeiro longa, de 1994, Kevin Smith debutava com um protagonista que parecia não ter motivações ou objetivos. Dante é o típico "loser" (perdedor) americano, que não se incomodaria em passar a eternidade trabalhando em uma loja de conveniências e agindo como eterno adolescente.
Já que o primeiro filme é uma grande ode ao nada, é de esperar que a continuação seja o nada elevado ao quadrado -o que não deixa de ser um bom desafio para roteiristas. No entanto, a própria imobilidade de Dante, agora um trintão, já é um movimento em si.
No primeiro filme, os personagens ainda tinham a vida inteira pela frente e podiam curtir sem culpa o ócio regado a papos de boteco. Em "O Balconista 2", a piada parece não ter tanta graça, seja para os personagens, seja para o próprio espectador. Desta vez, Dante e seu estúpido amigo Randal vão trabalhar em um fast-food decadente, já que a loja de conveniências do filme anterior é destruída em um incêndio. O filme adquire cores e drama.
Na superfície, há um humor pop e escatológico. Mas o que guia o filme é o fato incontestável de que todos agora estão atolados na própria vida.
Smith prefere não fazer julgamentos e vê seus personagens com carinho; estes questionam o que é o certo e o que é o errado, e por que devem seguir o establishment. Temos assim discussões sobre sexo com animais, religião, racismo, drogas, virgindade, casamento por conveniência, "Star Wars" e "Senhor dos Anéis", dar "certo" ou "errado" na vida. Até Silent Bob (o próprio Smith), personagem recorrente nos filmes do diretor que sempre faz um discurso esclarecendo as dúvidas do protagonista, desta vez não tem nada a dizer. Sob a aparência de tolo, "O Balconista 2" é um dos filmes mais provocativos da atual safra americana.