São Paulo, terça-feira, 29 de junho de 2010

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DEPOIMENTO

Morte de Guzik, uma breve interrupção

Em artigo para a Folha, dramaturgo e diretor Gerald Thomas comenta a morte do crítico de teatro, autor e ator

GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LONDRES

O que se diz sobre a morte de um comunicador? Sobre uma pessoa de teatro, diz-se que "caiu o pano". Sobre um romancista, poderia se dizer que "virou a pagina" e assim por diante.
O fato é que, quando morre um "comunicador", alguém que compreende todas essas funções e as leva até o fim da linha, o impacto dessa morte vira também um grande enigma.
E, como grande comunicador, Alberto Guzik, que morreu no último sábado, escolheu ir entre os aniversários de morte de Michael Jackson e Pina Bausch. É claro, o Guzik não poderia ter deixado por menos.
Eu, Gerald, que virei o homem dos obituários aqui na Folha, desta vez não me encontro. Digo, o impacto da morte de um amigo tão próximo me deixa mudo.
Sim, trata-se de um amigo intenso, um cara que me acompanhou desde a minha chegada ao Brasil com meu teatro. Alguém cujos trabalhos eu acompanhava e vice-versa e cujos livros são prefaciados por mim ou por ele numa enorme confusão que, talvez, leve um título comum aos dois: "Homens de lugar nenhum, atormentados pela dor do mundo".
Não é à toa que o prefácio do meu livro "O Encenador de Si Mesmo" vem assinado por ninguém menos que Alberto Guzik. E não é à toa que eu estava no meio de completar o prefácio de seu mais novo romance, "Estátuas de Sal".
Como crítico, Guzik era o que se chamava de "moderado". Como ator, era um apaixonado. Como um homem da cultura, um estudioso "in love". Como professor, romancista ou acadêmico, todas as virtudes acima.

ETERNO CONFLITO
E agora? "Vá em paz, Guzik"? Não! Paz, não. Alberto Guzik era um pacifista, mas não era um cara da paz. O Alberto era o homem do eterno conflito. Todos eles e ao mesmo tempo.
Ah, sim. Sabia lidar (como ninguém), com eles: seus livros "Risco de Vida" e "O Que é Ser Rio, e Correr" são exemplos de que ele se aventurava pelas vias mais duras, mais árduas imagináveis.
Jogam o ser humano num mundo dantesco e rodrigueano-judaico. Sua vida como crítico teatral (sucessor de Sabato Magaldi no "Jornal da Tarde") era uma aventura que o jogava a favor e contra a "classe".
E? Alberto Guzik mandou tudo pra PQP uma vez que voltou a ser ator e cofundou o Satyros na praça Roosevelt em São Paulo. Seu novo livro (ainda não publicado), "Estátuas de Sal" é um romance brilhante que nos afunda em separações, mortes. Alberto sempre soube onde pisar forte.
Não irá falhar desta vez, após a sua (temporária) morte. Digo, não deixaria de nos interromper num momento onde a interrupção deixa de ser uma metáfora e passa a ser uma verdade: o relógio parou. Guzik morreu. E, por algum tempo, mesmo que seja por pouco, o tempo ficará parado com ele.
Adeus, meu amor.

GERALD THOMAS é autor e diretor teatral.



JOSÉ SIMÃO
O colunista é publicado no caderno Copa 2010.


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