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DEPOIMENTO
Morte de Guzik, uma breve interrupção
Em artigo para a Folha, dramaturgo e diretor Gerald Thomas comenta a morte do crítico de teatro, autor e ator
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LONDRES
O que se diz sobre a morte
de um comunicador? Sobre
uma pessoa de teatro, diz-se
que "caiu o pano". Sobre um
romancista, poderia se dizer
que "virou a pagina" e assim
por diante.
O fato é que, quando morre um "comunicador", alguém que compreende todas
essas funções e as leva até o
fim da linha, o impacto dessa
morte vira também um grande enigma.
E, como grande comunicador, Alberto Guzik, que morreu no último sábado, escolheu ir entre os aniversários
de morte de Michael Jackson
e Pina Bausch. É claro, o Guzik não poderia ter deixado
por menos.
Eu, Gerald, que virei o homem dos obituários aqui na
Folha, desta vez não me encontro. Digo, o impacto da
morte de um amigo tão próximo me deixa mudo.
Sim, trata-se de um amigo
intenso, um cara que me
acompanhou desde a minha
chegada ao Brasil com meu
teatro. Alguém cujos trabalhos eu acompanhava e vice-versa e cujos livros são prefaciados por mim ou por ele
numa enorme confusão que,
talvez, leve um título comum
aos dois: "Homens de lugar
nenhum, atormentados pela
dor do mundo".
Não é à toa que o prefácio
do meu livro "O Encenador
de Si Mesmo" vem assinado
por ninguém menos que Alberto Guzik. E não é à toa
que eu estava no meio de
completar o prefácio de seu
mais novo romance, "Estátuas de Sal".
Como crítico, Guzik era o
que se chamava de "moderado". Como ator, era um apaixonado. Como um homem
da cultura, um estudioso "in
love". Como professor, romancista ou acadêmico, todas as virtudes acima.
ETERNO CONFLITO
E agora? "Vá em paz, Guzik"? Não! Paz, não. Alberto
Guzik era um pacifista, mas
não era um cara da paz. O Alberto era o homem do eterno
conflito. Todos eles e ao mesmo tempo.
Ah, sim. Sabia lidar (como
ninguém), com eles: seus livros "Risco de Vida" e "O
Que é Ser Rio, e Correr" são
exemplos de que ele se aventurava pelas vias mais duras,
mais árduas imagináveis.
Jogam o ser humano num
mundo dantesco e rodrigueano-judaico. Sua vida como crítico teatral (sucessor
de Sabato Magaldi no "Jornal
da Tarde") era uma aventura
que o jogava a favor e contra
a "classe".
E? Alberto Guzik mandou
tudo pra PQP uma vez que
voltou a ser ator e cofundou o
Satyros na praça Roosevelt
em São Paulo. Seu novo livro (ainda não
publicado), "Estátuas de
Sal" é um romance brilhante
que nos afunda em separações, mortes. Alberto sempre
soube onde pisar forte.
Não irá falhar desta vez,
após a sua (temporária) morte. Digo, não deixaria de nos
interromper num momento
onde a interrupção deixa de
ser uma metáfora e passa a
ser uma verdade: o relógio
parou. Guzik morreu. E, por
algum tempo, mesmo que seja por pouco, o tempo ficará
parado com ele.
Adeus, meu amor.
GERALD THOMAS é autor e diretor teatral.
JOSÉ SIMÃO
O colunista é publicado no caderno Copa 2010.
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