São Paulo, quarta-feira, 29 de junho de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Viagem ao fim de Céline

Escritor, que morreu há 50 anos, é excluído das comemorações oficiais na França, mas permanece cercado de releituras

Jacky Naegelen/Reuters
Montagem mostra foto e cartas de Céline

GABRIELA LONGMAN
DE SÃO PAULO

Na próxima sexta, completam-se 50 anos da morte de Louis-Férdinand Céline (1894-1961). Mas o que poderia ser uma efeméride como outra qualquer tornou-se um inflamado debate na França.
Dono de uma obra monumental para a língua francesa, que tem em "Viagem ao Fim da Noite" (ed. Companhia das Letras) seu maior expoente, Céline ficou igualmente famoso pelos panfletos antissemitas e pela simpatia ostentada à ocupação alemã na Segunda Guerra.
Em janeiro, quando o cinquentenário foi anunciado, entidades judaicas exigiram que o governo francês retirasse a data da "lista de celebrações nacionais", pedido acatado pelo ministro da Cultura, Frédéric Mitterrand.
Mas a decisão de passar "em branco" surtiu efeito contrário. Agora que a data chegou, Céline está estampado na capa de revistas e jornais. Numa pesquisa promovida pelo "Le Figaro", 65% dos 11 mil entrevistados disseram que o autor merece, sim, uma celebração.
Sua figura inspira uma nova peça de teatro na França e um leilão que reuniu 250 peças, entre edições originais, objetos, ilustrações e cartas.
A correspondência de Céline com o jornalista Paul Bonny, entre 1944 e 1949, por exemplo, foi vendida por U$ 51 mil (R$ 83 mil).
E há, nas livrarias do país (e na Amazon), novidades em torno de seu nome.
O lançamento central é a biografia ensaística "Céline", de Henri Godard. Estudioso do escritor e organizador de suas obras completas, Godard procura explicar -sem que isso sirva de perdão- o antissemitismo do autor a partir de seu meio familiar, do ambiente da época e de seu caráter "colérico".
"Procurei examinar o lugar de cada obra na vida do autor e entender a relação entre elas", disse à Folha.
"Céline consegue nos deixar até hoje divididos entre o entusiasmo e o desgosto."
"D'un Céline à l'Autre" (de um Céline a outro), volume com cerca de 200 testemunhos sobre o autor, "Une Enfance Chez Louis-Ferdinand Céline" (uma infância na casa de Céline) e uma edição revista da biografia de Phillipe Almerás, "Céline entre Haines et Passion" (Céline, entre ódios e paixão), compõem a lista de lançamentos.

O MÉDICO E O MONSTRO
Céline era o pseudônimo de Auguste Destouches, médico da periferia de Paris que só começou a escrever aos 38 anos, sem envolvimento nos círculos literários que inundavam a Rive Gauche .
A partir de 1937, porém, seus escritos ganharam tons de intransigência. Em "Les Beaux Draps", panfleto publicado meses depois da chegada dos alemães, Céline alertava: ainda se viam judeus por toda parte. Acusava seu país de complacência.
O crítico francês Maxime Rovere escreveu: "Houve um tempo para julga-lo moralmente, mas esse tempo passou. Céline é hoje um testemunho precioso do lado sombrio da França".
Mas o alarde revive questões ainda hoje incômodas.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Análise: Médico benevolente e escritor maldito é cadáver incômodo da cultura francesa
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.