São Paulo, sábado, 29 de julho de 2000


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Sunset Zingg vivia na direção certa

MATINAS SUZUKI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

David Drew Zingg foi um homem extraordinário. Basta lembrar alguns fatos (muitos de comprovação incerta, o que aumenta o interesse) da sua vida para comprovar essa afirmação.
Ele foi um dos mais jovens e talentosos editores da revista "Look" e foi assessor de imprensa do mais intelectual dos candidatos à presidência dos EUA do pós-guerra, Adlai Stevenson. Ele teria sido piloto na Segunda Guerra, namorado da mulher que se tornaria Mrs. Chaplin, teria trabalhado em plantações de bananas na República Dominicana e teria sido amigo de Jack Kennedy. Ele fez ótimos retratos de gente como Barbra Streisand, Giacometti, Joan Miró, Marcel Duchamp, Lawrence Durrell, Duke Ellington e Helena Rubinstein.
Ele foi decisivo na mudança da fotografia nas revistas e na publicidade brasileiras nos anos 60. Ajudou a criar, na imprensa local, os conceitos de "ensaio fotográfico", cujo momento culminante foi a revista "Realidade", e de "portrait". Com o seu olhar estrangeiro, revelou a alma brasileira nos rostos dos principais cantores e compositores da MPB. Fez as fotos dos primeiros discos de Chico, Caetano e Gil, a de Leila Diniz grávida e nua, a da turma do cinema novo em volta de uma mesa de bar, fotografou Brasília em construção, foi para o sertão, para a Amazônia, para o Sul. Por causa das fotos do pôr-do-sol no Rio, ficou conhecido como Sunset Zingg.
Ele ajudou a levar a bossa nova para os EUA, colaborou com alguns filmes brasileiros, participou do "Pasquim" e emprestou charme americano ao estilo de vida chamado de "Ipanemia". Mudando-se do Rio para São Paulo, foi participar de uma banda de música totalmente iconoclasta chamada Joelho de Porco e ser repórter fotográfico do jornal "Notícias Populares". Durante um período dos 80, ele realizava encontros semanais com os fotógrafos da Folha. O objetivo era melhorar a qualidade da fotografia no jornal, mas ele conseguia mais do que isso: transformava a vida daqueles jovens profissionais.
Quando uma operação para retirar um tumor do pescoço o impediu de continuar fotografando profissionalmente, ele passou a escrever colunas na Folha e revelou-se um notável escritor, com uma veia irônica muito difícil de encontrar nos textos em português dos nossos jornais (ele escrevia em inglês e era traduzido fielmente por Clara Allain). Com mais de 70 anos, foi um dos primeiros homens de imprensa a perceber a importância da Internet, à qual se dedicou desde o seu início no Brasil. Era do conselho editorial da revista "MacMania" e colunista de Internet do iG.
Durante todo esse tempo, ele foi dando também pequenas lições em notas de rodapé. Como um típico homem educado em "midtown" (área de Nova York que concentrava os teatros, os bares e as sedes das revistas e dos jornais da sua época), ele ajudou a implantar no Brasil o gosto pelo estilo de roupas das lojas Brooks Brothers, das calças cáquis e das camisas de algodão com botões no colarinho, mas não teve o mesmo sucesso por aqui com os chapéus, uma de suas marcas, e a gravata-borboleta.
Também ajudou a difundir por aqui o gosto pelo perfeito dry martini e pelos cantores de cabarés como Bobby Short, seu amigo pessoal. Ele também era conhecido pelos hambúrgueres que fazia e pelo humor. Zingg divulgou entre os brasileiros alguns dos nomes mais importantes do jornalismo americano, como Murray Kempton e E. B. White.
Ele abandonou a mulher e três filhos em Nova York quando veio para o Brasil nos anos 60. Para esse episódio nunca houve uma explicação e ele nunca explicou-o para os amigos. Não deixa de ser um toque coerente com toda a sua vida de "maverick", de boi que não consegue andar junto com a boiada, que ele, apesar das dificuldades financeiras, tenha permanecido íntegro na conduta ética e moral e totalmente desorganizado com o seu rico acervo de fotos.
Sobre ele pode-se dizer o que E. B. White disse no obituário de seu editor, Harold Ross, o dono da "The New Yorker": "Alguns homens têm algo que é tão bom ou melhor do que ter conhecimento; eles têm um tipo de impulso natural para a direção certa".


Matinas Suzuki Jr. é jornalista e diretor do iG


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