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A incrível saga dos anões de Mengele
Pesquisadores relatam em livro a história de trupe de anões que sobreviveu ao campo de concentração
de Auschwitz e
às sinistras experiências do médico nazista
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando os historiadores israelenses Yehuda Koren e Eilat
Negev encontraram pela primeira vez Perla Ovitz, em meados dos anos 90, ela estava em
sua casa, na cidade de Haifa,
sorridente, maquiada e bem
vestida, como uma atriz veterana à espera de jovens que chegassem para ouvi-la contar histórias de suas glórias passadas.
Mas o que Perla tinha para
lhes relatar era algo muito mais
sinistro. Em maio de 1944, a
atriz, junto de um grupo de 22
outros anões judeus como ela,
chegou ao campo de concentração de Auschwitz, onde se tornou objeto de estudo do médico nazista Josef Mengele (1911-79) -que depois se refugiaria
no Brasil.
A incrível história das famílias Ovitz -formada por sete
anões, duas irmãs normais e
seus filhos- e Slomowitz está
relatada em "Gigantes no Coração - A Emocionante História
da Trupe Lilliput - Uma Família de Anões que Sobreviveu ao
Holocausto", livro que acaba de
ser lançado por aqui.
O trabalho dos historiadores,
construído a partir do relato de
Perla e de outros sobreviventes
de Auschwitz, conta como esse
grupo foi tratado pelos nazistas. Por serem anões, foram
poupados das câmaras de gás e
dos trabalhos forçados e receberam privilégios, como o de
ter camas para dormir. Por outro lado, Mengele os utilizava
em experiências genéticas e,
muito provavelmente, em cenas de humilhação pública.
Antes da Segunda Guerra, os
Ovitz tinham uma pequena
companhia teatral de relativo
sucesso na Europa do Leste. Ao
entreterem Mengele e outros
oficiais nazistas com seus talentos, os anões conseguiram
adiar seu provável extermínio e
saíram do campo de concentração -quando este foi liberado
em janeiro de 1945- assim como entraram, vivos, e relativamente saudáveis.
Sobre sua impressionante
pesquisa, Eilat Negev conversou com a Folha, por telefone,
de Jerusalém, onde vive.
FOLHA - Como vocês chegaram à
história da trupe Lilliput?
EILAT NEGEV - Vimos uma breve
menção em um livro de história
e fomos buscar os sobreviventes. Achávamos que não íamos
mais encontrar ninguém, mas
tivemos sorte de Perla ainda estar viva. Ela ficou feliz de poder
tornar pública sua história. E
foi em tempo, pois ela morreu
não muito depois, em 2001.
FOLHA - O que você diria que mais
a surpreendeu na pesquisa?
NEGEV- A história tem vários
elementos de interesse, é uma
mistura de morte e entretenimento. Para mim, o mais fascinante é o fato de que, num
mundo guiado pela visão darwinista de que só os fortes sobrevivem, essas pessoas, que
eram muito frágeis, nos mostraram que é possível levar a vida adiante. Eles usaram suas
deformidades e invalidez de
um modo que os permitisse viver. É uma história otimista,
em que os mais fracos entre os
mais fracos sobreviveram.
FOLHA - Vocês reuniram evidências de que os anões teriam feito
apresentações para os oficiais nazistas, mas, em seu depoimento, Perla
negou que isso tivesse acontecido.
Por quê? Eles tinham vergonha?
NEGEV - Sim. Mas é preciso entender que todas as pessoas que
tinham algum talento nos campos eram forçadas a usá-los para não serem exterminados. Só
que eles não quiseram nunca
mais falar disso, muito provavelmente porque queriam, eles
mesmos, esquecer que tinham
passado por isso.
FOLHA - Como eles eram?
NEGEV - Muito dependentes
um dos outros. Os da família
Ovitz, particularmente, tinham
cerca de 90 centímetros, o que
é uma forma muito grave desse
fenômeno. Não conseguiam subir escadas nem ir ao banheiro
sozinhos. Mesmo na vila onde
moravam, no interior da Romênia, precisavam da ajuda de
seus vizinhos para as coisas
mais simples, como vestir-se
ou lavar-se. Alguns tinham dificuldade até de se manter em pé
em determinadas situações.
FOLHA - Que tipo de experiências
Mengele fez com eles?
NEGEV - Mengele fez coisas
horríveis e cruéis como já é conhecido. Interessava-se especialmente por gêmeos, mas os
anões também chamavam muito sua atenção. Sabia-se que
Mengele havia forçado outros
anões a terem relações sexuais
com mulheres ciganas e com
pessoas com sífilis, para saber o
que aconteceria. Os Ovitz e os
Slomovitch sabiam que Mengele faria isso com eles também, era uma questão de tempo, e que teriam de prolongar
essa espera o máximo possível.
Conquistar o médico, entretê-lo e submeter-se a suas experiências sem relutar era uma
forma de fazê-lo.
Eles sabiam que o seu fim seria terrível e, muito provavelmente, por meio de uma contaminação com alguma doença.
FOLHA - Como Mengele os tratava
pessoalmente?
NEGEV - Ele dizia aos anões que
sempre tinha gostado da história da "Branca de Neve e os Sete
Anões" e que se sentia feliz por
ter os seus próprios anões.
FOLHA - Por que eles sobreviveram?
NEGEV - Primeiro, porque ficaram juntos. Se tivessem chegado ao campo separados, teriam
sido certamente mortos de
imediato. Depois, tiveram habilidade para manter a atenção
dos nazistas até que o campo
fosse libertado. Acho que, se
aquilo durasse mais alguns meses, eles não teriam saído vivos,
pois as experiências de Mengele com eles estavam ficando cada vez mais sérias.
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