São Paulo, sábado, 29 de julho de 2006

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A incrível saga dos anões de Mengele

Pesquisadores relatam em livro a história de trupe de anões que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz e às sinistras experiências do médico nazista

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando os historiadores israelenses Yehuda Koren e Eilat Negev encontraram pela primeira vez Perla Ovitz, em meados dos anos 90, ela estava em sua casa, na cidade de Haifa, sorridente, maquiada e bem vestida, como uma atriz veterana à espera de jovens que chegassem para ouvi-la contar histórias de suas glórias passadas.
Mas o que Perla tinha para lhes relatar era algo muito mais sinistro. Em maio de 1944, a atriz, junto de um grupo de 22 outros anões judeus como ela, chegou ao campo de concentração de Auschwitz, onde se tornou objeto de estudo do médico nazista Josef Mengele (1911-79) -que depois se refugiaria no Brasil.
A incrível história das famílias Ovitz -formada por sete anões, duas irmãs normais e seus filhos- e Slomowitz está relatada em "Gigantes no Coração - A Emocionante História da Trupe Lilliput - Uma Família de Anões que Sobreviveu ao Holocausto", livro que acaba de ser lançado por aqui.
O trabalho dos historiadores, construído a partir do relato de Perla e de outros sobreviventes de Auschwitz, conta como esse grupo foi tratado pelos nazistas. Por serem anões, foram poupados das câmaras de gás e dos trabalhos forçados e receberam privilégios, como o de ter camas para dormir. Por outro lado, Mengele os utilizava em experiências genéticas e, muito provavelmente, em cenas de humilhação pública.
Antes da Segunda Guerra, os Ovitz tinham uma pequena companhia teatral de relativo sucesso na Europa do Leste. Ao entreterem Mengele e outros oficiais nazistas com seus talentos, os anões conseguiram adiar seu provável extermínio e saíram do campo de concentração -quando este foi liberado em janeiro de 1945- assim como entraram, vivos, e relativamente saudáveis. Sobre sua impressionante pesquisa, Eilat Negev conversou com a Folha, por telefone, de Jerusalém, onde vive.
 

FOLHA - Como vocês chegaram à história da trupe Lilliput?
EILAT NEGEV
- Vimos uma breve menção em um livro de história e fomos buscar os sobreviventes. Achávamos que não íamos mais encontrar ninguém, mas tivemos sorte de Perla ainda estar viva. Ela ficou feliz de poder tornar pública sua história. E foi em tempo, pois ela morreu não muito depois, em 2001.

FOLHA - O que você diria que mais a surpreendeu na pesquisa?
NEGEV
- A história tem vários elementos de interesse, é uma mistura de morte e entretenimento. Para mim, o mais fascinante é o fato de que, num mundo guiado pela visão darwinista de que só os fortes sobrevivem, essas pessoas, que eram muito frágeis, nos mostraram que é possível levar a vida adiante. Eles usaram suas deformidades e invalidez de um modo que os permitisse viver. É uma história otimista, em que os mais fracos entre os mais fracos sobreviveram.

FOLHA - Vocês reuniram evidências de que os anões teriam feito apresentações para os oficiais nazistas, mas, em seu depoimento, Perla negou que isso tivesse acontecido. Por quê? Eles tinham vergonha?
NEGEV
- Sim. Mas é preciso entender que todas as pessoas que tinham algum talento nos campos eram forçadas a usá-los para não serem exterminados. Só que eles não quiseram nunca mais falar disso, muito provavelmente porque queriam, eles mesmos, esquecer que tinham passado por isso.

FOLHA - Como eles eram?
NEGEV
- Muito dependentes um dos outros. Os da família Ovitz, particularmente, tinham cerca de 90 centímetros, o que é uma forma muito grave desse fenômeno. Não conseguiam subir escadas nem ir ao banheiro sozinhos. Mesmo na vila onde moravam, no interior da Romênia, precisavam da ajuda de seus vizinhos para as coisas mais simples, como vestir-se ou lavar-se. Alguns tinham dificuldade até de se manter em pé em determinadas situações.

FOLHA - Que tipo de experiências Mengele fez com eles?
NEGEV
- Mengele fez coisas horríveis e cruéis como já é conhecido. Interessava-se especialmente por gêmeos, mas os anões também chamavam muito sua atenção. Sabia-se que Mengele havia forçado outros anões a terem relações sexuais com mulheres ciganas e com pessoas com sífilis, para saber o que aconteceria. Os Ovitz e os Slomovitch sabiam que Mengele faria isso com eles também, era uma questão de tempo, e que teriam de prolongar essa espera o máximo possível. Conquistar o médico, entretê-lo e submeter-se a suas experiências sem relutar era uma forma de fazê-lo. Eles sabiam que o seu fim seria terrível e, muito provavelmente, por meio de uma contaminação com alguma doença.

FOLHA - Como Mengele os tratava pessoalmente?
NEGEV
- Ele dizia aos anões que sempre tinha gostado da história da "Branca de Neve e os Sete Anões" e que se sentia feliz por ter os seus próprios anões.

FOLHA - Por que eles sobreviveram?
NEGEV
- Primeiro, porque ficaram juntos. Se tivessem chegado ao campo separados, teriam sido certamente mortos de imediato. Depois, tiveram habilidade para manter a atenção dos nazistas até que o campo fosse libertado. Acho que, se aquilo durasse mais alguns meses, eles não teriam saído vivos, pois as experiências de Mengele com eles estavam ficando cada vez mais sérias.


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