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FERREIRA GULLAR
Baixo nível
Dez meses de inoperância e conversa fiada. Lula e sua turma fingem-se de mortos
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SE VENHO , hoje, falar de um assunto já tão comentado na imprensa, como o gesto obsceno
do assessor especial do presidente
da República, é porque me parece
revelar, do governo a que serve, mais
que sua mera obscenidade.
Para bem avaliá-lo, melhor será situá-lo no contexto em que ocorreu:
dois dias depois da maior tragédia de
que se tem notícia na aviação comercial brasileira, quando centenas
de pessoas ainda enxugavam as lágrimas, outras enterravam seus
mortos e muitos ainda viviam o desespero de encontrar e identificar o
marido, a mãe ou filho querido.
A nação inteira mal despertava do
pesadelo que foi o desastre do Airbus A-320 da TAM, em Congonhas,
com quase 200 mortos. Os atletas do
Pan não deixavam que a alegria de
uma vitória parecesse uma ofensa à
grande dor nacional. Pois foi precisamente então que, em seu gabinete
do palácio presidencial, Marco Aurélio Garcia rejubilava-se com a notícia de que, talvez, a causa do desastre tivesse sido uma falha mecânica
no avião na TAM -e, para expressar
sua alegria, fez o gesto obsceno, que
um cinegrafista de televisão registrou. Ao seu lado, seu assessor, igualmente eufórico, tornou mais explícito o significado do gesto: "Botamos
na b... deles!". Isso foi o que quis dizer o assessor especial do presidente
da República, ao bater a palma da
mão direita sobre o círculo formado
pelos dedos da outra mão.
Mas na b... de quem? Essa é a
questão! Não vou tentar respondê-la ainda, uma vez que ele mesmo o
fez em nota que distribuiu à imprensa no dia seguinte ao flagrante que o
deixou mal perante a nação. A nota é
arrogante, insolente mesmo, como
se ele não tivesse sido flagrado comemorando com um gesto chulo
uma suposta vitória sobre os supostos detratores do governo Lula.
Qualquer outra pessoa que ocupasse
cargo tão alto na hierarquia oficial
teria se desculpado de uma tal atitude indigna de sua posição no governo. Mas ele não. Pelo contrário, alegou ter o direito, na sua privacidade,
de fazer o que deseje, no que tem toda a razão. Mas, nem por isso, o gesto deixa de ser o que é nem de ter o significado que tem.
Mas, afinal de contas, na b... de
quem o assessor especial do presidente da República acha que botou,
naquele momento de empolgação?
Deixemos que ele mesmo o diga. Cito a nota: "Assim, o sentimento que
extravasei, em privado, foi e é de repúdio àqueles que trataram sordidamente de aproveitar a comoção que
o país vive para insistir na postura
partidária de oposição sistemática a
um governo duas vezes eleito pela
imensa maioria do povo brasileiro".
As desculpas só vêm nas linhas finais e, mesmo assim, duvidando de
que tenha ofendido alguém com seu
gesto obsceno. Deixa claro, portanto, que quem insiste em criticar o governo "eleito duas vezes" não merece outra coisa. Esquece que FHC,
também foi eleito duas vezes, era
objeto constante das críticas do PT,
e até seu impeachment o Lula pediu.
Mas quem são os sórdidos detratores do governo? Um ou outro parlamentar que o responsabilizou pelo
caos aéreo? A imprensa? Mas ela dá
voz tanto aos que o criticam como
aos que defendem o governo. Não
foi nos jornais que lemos a declaração do ministro Guido Mantega louvando o caos aéreo como sinal do
crescimento econômico? Ou devia a
mídia, em respeito a um presidente
eleito duas vezes, ignorar a tragédia
de Congonhas, não falar dos quase
200 mortos, não mostrar a indignação das pessoas atingidas por ela? O
que o gesto e a nota do assessor especial do presidente revelam é o baixo nível em que Lula e sua turma situam as graves questões nacionais.
É um governo sem estatura, seja técnica, seja ética.
Chegados ao poder, o único projeto que trazem é o de nele permanecer. Por isso aparelham o Estado,
substituem o critério técnico pela
barganha política e investem na propaganda e na autopromoção para
ganhar a opinião pública. Mas eis
que o caos aéreo põe à mostra a incapacidade administrativa de Lula,
que não pode varrê-lo para baixo do
tapete como fez com o mensalão.
Marta e Mantega tentam desastradamente minimizá-lo, mas a tragédia de Congonhas desaba sobre o
Palácio do Planalto.
Dez meses de inoperância e conversa fiada. Lula e sua turma fingem-se de mortos. É então que a hipótese da falha mecânica surge como uma luz no fim do túnel e provoca a euforia obscena do assessor especial: "Estamos salvos, top top
top!"
Pois é, morram quantos morrerem, chorem quantos chorarem, só
uma coisa importa ao governo: tirar
o seu da reta, para usar de jargão palaciano.
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