São Paulo, quarta-feira, 29 de julho de 2009

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Mordernismo perdido

Vila operária modernista do arquiteto Gregori Warchavchik, no Rio, está ameaçada e ficou de fora dos planos municipais para revitalizar a zona portuária

Pedro Carrilho/Folha Imagem
Vila operária projetada em 1931 por Gregori Warchavchik, arquiteto ucraniano radicado no Brasil, na zona portuária do Rio, um dos primeiros exemplos de arquitetura moderna erguidos no país

SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Caiu em duplo esquecimento um prédio chave na arquitetura moderna brasileira. Varrida da história, a vila operária construída por Gregori Warchavchik na zona portuária do Rio, nos anos 30, está descaracterizada há mais de 20 anos e ficou de fora dos projetos de reforma que prometem revitalizar a região do cais do porto carioca.
Esforços anunciados há pouco pela prefeitura alardeiam o restauro de casas do século 19 na região e de todo o complexo do morro da Conceição, vizinho de dois museus que devem ser construídos por lá até 2011. Mas, perto dali, a única obra de Warchavchik sobrevivente no Rio está ameaçada.
Projetada pelo arquiteto que fez a Casa Modernista, em São Paulo, a vila operária no Rio é uma espécie de elo perdido da história da arquitetura brasileira. Marca a transição do primeiro modernismo feito no país, sob forte influência do racionalismo da Bauhaus, às curvas que vieram depois, com Le Corbusier e Oscar Niemeyer.
Também é um exemplo de um racionalismo retórico, que marcou a tentativa de ser moderno num país ainda sem industrialização. Embora as esquadrias, a laje e o acabamento pareçam sair de uma linha de montagem, são feitos à mão, imitação da indústria ausente.
"É aqui que se dá o clique, a passagem para o moderno brasileiro", resume o curador Paulo Herkenhoff, que visitou a vila com a reportagem. Desde que começou a prestar consultoria para a futura Pinacoteca do Rio, que deve ser instalada num prédio próximo dali, Herkenhoff tem sugerido à prefeitura a inclusão da vila operária nos planos de restauro do porto.
Mesmo tombado pelo patrimônio municipal há 23 anos, o complexo, hoje ainda ocupado por moradores, está descaracterizado. Teve as telhas, os revestimentos do teto e das fachadas trocados. Também foram ocupadas as áreas deixadas livres no projeto original.
"Essa é a maior descaracterização, a ocupação dos espaços que eram coletivos", diz Otavio Leonídio, arquiteto e professor da PUC-Rio. "Era para ser um espaço vazio, que ventila, ilumina os andares de baixo."
É um conjunto de casas mínimas: quatro cômodos que se distribuem em torno de um pequeno quadrado, tendo de um lado cozinha e banheiro e, do outro, sala e quartos. "É a casa proletária", resume Leonídio.

Lúcio Costa
Embora tenha entrado para a história como obra de Warchavchik, o projeto foi assinado por Lúcio Costa, arquiteto que desenhou o plano urbano de Brasília. Não há dúvida que a vila tem os traços de Warchavchik, mas, como eram sócios à época, Costa pode ter assinado a planta como formalidade.
"Isso é mais Warchavchik do que Lúcio Costa", afirma Herkenhoff. "Não consigo imaginar o Costa virando moderno e fazendo esse tipo de projeto."
É um dado que abre outro debate. Costa esteve à frente do Iphan por mais de 30 anos, mas nunca tombou a vila de Warchavchik nem as outras duas casas que o arquiteto construiu no Rio, hoje demolidas.
"Ele rejeitava esse racionalismo duro, de caráter alemão, funcionalista", diz Leonídio. "Costa chamava isso de modernismo estilizado, ele foi muito duro com o Warchavchik."
Acabaram preservados os projetos da vertente francesa, de Le Corbuiser e Niemeyer. "A história da arquitetura escolheu um campo e ficou nele", diz Herkenhoff. "A vila está no gongo para salvar, no ponto."

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