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O velho pirata
O cartunista Laerte, 56, lança dois livros ligados a seu passado, prepara uma animação dos "Piratas do Tietê" e se diz em "crise"
Leonardo Wen -16.ago.07/Folha Imagem
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Laerte no quintal de sua casa, em São Paulo |
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL
Laerte Coutinho tem olhado
para trás nos últimos tempos.
Com dois livros ligados a seu
passado chegando às livrarias,
o cartunista, colaborador da
Folha, diz se sentir velho, aos
56 anos. Os lançamentos são
"Laertevisão", uma coletânea
dos cartuns que publica aos sábados na Ilustrada, baseados
nas memórias de sua infância,
e o primeiro dos três volumes
de "Piratas do Tietê - A Saga
Completa", que reeditam sua
criação mais célebre.
Mas Laerte tem mirado o futuro também. Quem o vê falar
dos projetos em que está envolvido -uma animação dos Piratas, um filme da personagem
Suriá, um desenho dos Tres
Amigos para a TV, um livro
inédito- fica intrigado com a
fase de crise que diz atravessar.
A verdade é que a vida do cartunista tem passado por drásticas mudanças. Foi para ouvi-lo
sobre tudo isso que a Folha foi
até sua casa, em São Paulo. Veja
a seguir o resultado.
FOLHA - Nos últimos anos suas tirinhas mudaram radicalmente.
LAERTE - É, porque eu perdi o
jeito de um monte de coisas, de
modos de fazer humor que eu
tinha, de usar personagens. Tudo isso ficou esquisito, então
passei a outros procedimentos.
Em busca disso, passei dois
anos fazendo uma tira absolutamente sem norte.
FOLHA - E por que você perdeu o
jeito, como diz?
LAERTE - Cansou, por um monte de motivos, ficou... [pausa]
Bom, é uma explicação que tem
de passar pela morte do meu filho também [em um acidente
de carro, em 2005], isso foi um
divisor. Passei a ver e pensar as
coisas de outro jeito, uma série
de procedimentos começou a
perder o sentido ou ganhar outros. Muito do que consistia a
natureza das minhas tiras era
um tipo de prestação de contas,
como se eu as estivesse fazendo
para algum juiz, era um modo
extenuante de trabalhar. Passei
a não achar mais graça no tipo
de humor que fazia, não me
identificava mais com aquele
modo de fazer, então resolvi
deixar de lado os personagens.
FOLHA - Para sempre?
LAERTE - Não, não quer dizer
que eu os matei, só que fui atrás
de outra coisa, fui buscar um
modo de fazer que eu tinha aos
17 anos, algo bastante livre, indagativo, experimental, porra-louca. Fui atrás desse espírito.
FOLHA - Porque nessa fase você
ainda não tinha o tal "juiz", é isso?
LAERTE - Sim, claramente foi
começar a trabalhar que desenvolveu isso. Quando eu comecei a desenhar, não tinha muito
claro que seria humorista, desenhista. Eu queria ser músico,
jogador de futebol, fazer teatro,
tudo isso de uma maneira muito aberta e sem expectativa. Eu
tentei ir atrás disso, trabalhar a
linguagem de tiras em outro
contexto, fazer pequenos contos, cada tira sendo uma peça
autônoma. Abandonei padrões
gráficos, procedimentos humorísticos que eu tinha e parti em
busca de outras narrativas.
FOLHA - Tornou-se mais fácil, então, criar as tiras?
LAERTE - Não, não facilitou.
Abriu possibilidades, mas era
muito mais complicado, eu demorava mais para fazer as tirinhas. Aí, no fim do ano passado,
cansei, fiquei sem rumo novamente e passei a republicar o
material do Classifolha, os
cartuns livres, achei que dava
para tirar um ano sabático. Não
que isso seja livre de trabalho,
eu pego as tiras e reorganizo
num tamanho diferente, o que
às vezes implica em construções diferentes.
FOLHA - Por que esse novo estalo?
LAERTE - Porque até essa linguagem nova chegou a um ponto em que eu não sabia bem o
que fazer. A isso, somou-se meu
acerto com a editora Desiderata para produzir uma história
longa, de 96 páginas, e inédita.
Passei seis meses fazendo um
roteiro e concluí que ele não
funcionava, voltei à estaca zero,
vamos ver se um dia frutifica.
FOLHA - Em que fase você está
atualmente?
LAERTE - Estou "Laerte em crise". Mas não é o fim do mundo,
é um momento. Estou trabalhando nesse roteiro, acho que
o resultado dele vai ser informativo para mim. Talvez eu
volte a fazer as tiras como eu fazia, dentro do conceito aberto
de pequenos contos.
FOLHA - Você já teve uma crise anterior, quando largou um casamento, um emprego formal e foi fazer
quadrinhos. Elas se assemelham?
LAERTE - Sim. Na verdade, um
pouco antes do acidente com
meu filho, eu já estava mudando de rumo, já apontava o esgotamento da linguagem. Nesses
momentos, é muito legal estar
num jornal como a Folha, dois
outros deixaram de publicar a
tira porque ela ficou estranha,
não tiveram paciência.
FOLHA - Alguns leitores reclamaram da mudança de estilo.
LAERTE - Teve desde a perplexidade positiva, uma curiosidade
com vontade de ver mais, até
gente que achou que não era
mais a praia deles, além de leitores que se revoltaram contra
algumas tiras específicas, como
a que o personagem jogava golfe com a cabeça de um poodle.
FOLHA - Com essa mudança de foco, você passou a se importar menos
com o julgamento dos leitores?
LAERTE - Sim, um pouco menos.
Não tenho nenhum desprezo
pelo leitor, mas passou a ter um
peso diferente. É uma opinião,
não quer ler, não quer renovar
o contrato, tudo bem, acontece.
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