São Paulo, sábado, 29 de agosto de 2009

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A última nota

Levados ao Japão e à Europa, os bandoneons, instrumentos símbolo do tango, encarecem e desaparecem da Argentina como consequência do sucesso do gênero e da crise pela qual passou o país

Marcos Adandia/Folha Imagem
Oscar Fischer, da Casa do Bandoneon, com instrumento de 1887, o mais antigo da instituição

ADRIANA MARCOLINI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BUENOS AIRES

O bandoneon, instrumento símbolo do tango, está desaparecendo da Argentina, país em que começou a desembarcar no final do século 19, trazido por imigrantes alemães, e onde floresceu com o gênero musical.
O êxodo alcançou o auge nas décadas de 1970 e 1980, quando o gosto pela música nascida às margens do Rio da Prata, que então já se havia disseminado pelo mundo, conquistou de vez a Europa e o Japão. Sucesso mundo afora, na época o tango estava em baixa na Argentina, onde nasceu no final do século 19. Milhares de bandoneons deixaram o país, adquiridos por europeus e japoneses.
Famílias argentinas vendiam os instrumentos outrora de propriedade de seus antepassados que depois seriam usados mundo afora ou revendidos no exterior pelo triplo do preço.
A compra de bandoneons em Buenos Aires a preços módicos e a revenda em países ricos se tornou um negócio. Chegaram os anos 1990 e os argentinos despertaram novamente para o tango. Logo após dezembro de 2001, com o fim da paridade entre o peso e o dólar, o êxodo se acentuou novamente e se prolonga até hoje, embora em menor ritmo.
"Estamos assistindo a um saque cultural", diz o luthier Oscar Fischer, 43, criador de um cadastro mundial do instrumento, que já tem cerca de 800 registrados. A inscrição é realizada por e-mail, com a notificação do número do exemplar e dos dados do proprietário. O objetivo, explica, é quantificar o número de bandoneons existentes na Argentina e evitar a crescente comercialização de exemplares roubados.
Presidente da Casa do Bandoneon, entidade sem fins lucrativos que visa difundir e proteger o instrumento, Fischer é o mentor intelectual de um projeto de lei aprovado em dezembro passado pela Câmara dos Deputados da Argentina e em vias de ser votado pelo Senado. O projeto tem como meta deter o êxodo e propõe que os bandoneons com pelo menos 40 anos sejam considerados patrimônio cultural.
Também sugere que o governo tenha prioridade de compra para uso nos conservatórios de música e a criação de um cadastro nacional de bandoneons.

US$ 5.000
"O êxodo é uma pena enorme", lamenta o bandoneonista Roberto Alvarez, 69, diretor da prestigiada Orquestra Color Tango, conhecida por manter vivo o estilo de Osvaldo Pugliese. "Centenas de instrumentos foram parar na Holanda e no Japão. Havia gente que comprava até cinco para vender no exterior, inclusive músicos."
O pesar de Alvarez é compartilhado por sua colega Lucía Ramirez, 29. Integrante do Sexteto Ramiro Gallo, Lucía conta que os preços dos bandoneons subiram muito na Argentina nos últimos tempos. "Alguns estão sendo vendidos a US$ 5 mil sem uma qualidade que o justifique. Há instrumentos deteriorados, que precisam de conserto e afinação, o que eleva ainda mais o preço e dificulta o acesso para os mais jovens que desejam aprender."
Para ela, as autoridades argentinas não enxergam o que está acontecendo: "Para o governo, o tango só representa dinheiro, porque atrai turistas".
O compositor Rodolfo Daluisio, 57, titular da cátedra de bandoneon do Conservatório Manuel de Falla, não acredita que a saída de instrumentos diminua. "É muito difícil controlar, uma vez que as próprias orquestras levam exemplares para vender lá fora", diz.
Para ele, a solução seria incentivar a produção de bandoneons de qualidade na própria Argentina. Mas com uma ressalva: "É importante produzir o instrumento e deter o êxodo, mas é fundamental que haja bons intérpretes", observa.
"Precisamos ter profissionais bem formados. O bandoneon não deve ficar restrito ao tango, é um instrumento de grandes potencialidades e tem um lugar na música universal", completa Daluisio.
Diante da escassez e do aumento dos preços, a necessidade de instrumentos baratos, que possam ser adquiridos por quem esteja começando a estudar, é urgente. Não se produzem exemplares para fins de estudo, vendidos a US$ 300, como acontece com o violino.
"Este é o degrau que temos de superar", afirma Oscar Fischer, que tomou para si o desafio de construir um. "Não tenho intenção de ser um fabricante do instrumento, só quero provar que é possível produzi-lo aqui; enquanto muitos argentinos apostam em ganhar dinheiro com o dólar, eu aposto em construir um bandoneon."


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