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LIVROS
Compositor analisa as próprias fobias em livro
Norte-americano Allen Shawn busca origens dos medos em Freud e Darwin
Filho de ex-editor da revista americana "New Yorker", autor recorre a memórias familiares para entender histórico de problemas
RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL
Allen Shawn não vem ao Brasil lançar seu livro "Bem que Eu
Queria Ir". Não iria nem muito
mais longe que a New Jersey, a
pouco mais de 400 km de sua
casa, em Vermont, nos EUA.
O pianista e compositor não
viaja de avião há 16 anos, evita
autoestradas, detesta atravessar pontes, não anda de metrô,
rejeita shopping centers, tem
aflição de elevadores, odeia altura, abomina estar na água.
E não é dado a implicâncias,
como pode parecer. O músico
sofre de fobias, tema deste seu
segundo livro -o primeiro,
uma biografia do compositor
Arnold Schoenberg, tratava de
outra especialidade, a música.
"Quando era criança, ouvia
sobre fobias como se fossem dificuldades isoladas. Ao longo da
vida, a lista do que me incomoda se tornou meio grande, como você pode notar. E vi que as
pessoas não têm noção do que é
isso", diz Allen, 60, à Folha.
O compositor teve contato
com o assunto desde cedo porque seu pai, William Shawn
(1907-1992), lendário editor
que por 35 anos comandou a
prestigiosa "New Yorker", era
agorafóbico -sofria do medo
mórbido de estar isolado em
espaços abertos ou fechados e
de ficar em lugares públicos.
"Bem que Eu Queria Ir" é um
misto de livro de memórias e
investigação "informal", mas
aprofundada ao ponto de incluir ideias de Darwin e Freud
que pudessem jogar luz sobre o
tema. O músico sabia que corria dois riscos: 1) de que o livro
parecesse de fofocas, já que cita
o caso extraconjugal de seu pai
com a autora Lilian Ross; 2)
que soasse como autoajuda.
Sobre a primeira possibilidade, tomou o cuidado de não incluir o nome de Ross. Ela é citada só como "escritora da "New
Yorker'", embora todos no
meio saibam de quem se trata
-o que já levou Allen a passar
por uma constrangedora inquisição por parte de Terry Gross,
para o podcast "Fresh Air".
Allen acredita que não o caso
em si, mas o fato de conviver
com segredos em casa, tenha
alimentado sua propensão às
fobias. Entra nessa lista de tabus dentro de casa o fato de sua
irmã gêmea, Mary, ser autista.
Quanto ao risco de soar como autoajuda, faz piada: "Como poderia ser autoajuda se
nem acredito numa cura?".
Vantagens
Em meio a tantas restrições,
Allen é capaz subir num palco e
se apresentar para centenas de
pessoas -desde que o palco fique a poucos quilômetros de
sua cidade. "Fico ansioso, mas é
normal. É a diferença entre medo e fobia. O medo você pode
controlar; a fobia está além da
sua compreensão", diz.
Ele até consegue ver alguma
vantagem no problema. "Por
um lado, as fobias são um sinal
de sensibilidade. Algumas das
minhas músicas são sombrias e
intensas, o que pode ser expressão das minhas fobias."
O livro cita Edvard Munch
(1863-1944), cuja vertigem
mesmo "ao atravessar ruas"
pode ser percebida em quadros
como "O Grito" (1893). E a poeta Emily Dickinson (1830-1886), cuja obra "parece brotar
de um mundo em que ciclos de
pânico são uma constante".
Se a vantagem chega a compensar? "Pode funcionar na arte, mas na vida não é divertido.
Ter medo no elevador de fato
não tem nenhuma utilidade."
BEM QUE EU QUERIA IR
Autor: Allen Shawn
Tradução: Caetano Waldrigues Galindo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 48 (312 págs.)
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