São Paulo, sábado, 29 de agosto de 2009

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LIVROS

Compositor analisa as próprias fobias em livro

Norte-americano Allen Shawn busca origens dos medos em Freud e Darwin

Filho de ex-editor da revista americana "New Yorker", autor recorre a memórias familiares para entender histórico de problemas

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

Allen Shawn não vem ao Brasil lançar seu livro "Bem que Eu Queria Ir". Não iria nem muito mais longe que a New Jersey, a pouco mais de 400 km de sua casa, em Vermont, nos EUA.
O pianista e compositor não viaja de avião há 16 anos, evita autoestradas, detesta atravessar pontes, não anda de metrô, rejeita shopping centers, tem aflição de elevadores, odeia altura, abomina estar na água.
E não é dado a implicâncias, como pode parecer. O músico sofre de fobias, tema deste seu segundo livro -o primeiro, uma biografia do compositor Arnold Schoenberg, tratava de outra especialidade, a música.
"Quando era criança, ouvia sobre fobias como se fossem dificuldades isoladas. Ao longo da vida, a lista do que me incomoda se tornou meio grande, como você pode notar. E vi que as pessoas não têm noção do que é isso", diz Allen, 60, à Folha.
O compositor teve contato com o assunto desde cedo porque seu pai, William Shawn (1907-1992), lendário editor que por 35 anos comandou a prestigiosa "New Yorker", era agorafóbico -sofria do medo mórbido de estar isolado em espaços abertos ou fechados e de ficar em lugares públicos.
"Bem que Eu Queria Ir" é um misto de livro de memórias e investigação "informal", mas aprofundada ao ponto de incluir ideias de Darwin e Freud que pudessem jogar luz sobre o tema. O músico sabia que corria dois riscos: 1) de que o livro parecesse de fofocas, já que cita o caso extraconjugal de seu pai com a autora Lilian Ross; 2) que soasse como autoajuda.
Sobre a primeira possibilidade, tomou o cuidado de não incluir o nome de Ross. Ela é citada só como "escritora da "New Yorker'", embora todos no meio saibam de quem se trata -o que já levou Allen a passar por uma constrangedora inquisição por parte de Terry Gross, para o podcast "Fresh Air".
Allen acredita que não o caso em si, mas o fato de conviver com segredos em casa, tenha alimentado sua propensão às fobias. Entra nessa lista de tabus dentro de casa o fato de sua irmã gêmea, Mary, ser autista.
Quanto ao risco de soar como autoajuda, faz piada: "Como poderia ser autoajuda se nem acredito numa cura?".

Vantagens
Em meio a tantas restrições, Allen é capaz subir num palco e se apresentar para centenas de pessoas -desde que o palco fique a poucos quilômetros de sua cidade. "Fico ansioso, mas é normal. É a diferença entre medo e fobia. O medo você pode controlar; a fobia está além da sua compreensão", diz.
Ele até consegue ver alguma vantagem no problema. "Por um lado, as fobias são um sinal de sensibilidade. Algumas das minhas músicas são sombrias e intensas, o que pode ser expressão das minhas fobias."
O livro cita Edvard Munch (1863-1944), cuja vertigem mesmo "ao atravessar ruas" pode ser percebida em quadros como "O Grito" (1893). E a poeta Emily Dickinson (1830-1886), cuja obra "parece brotar de um mundo em que ciclos de pânico são uma constante".
Se a vantagem chega a compensar? "Pode funcionar na arte, mas na vida não é divertido.
Ter medo no elevador de fato não tem nenhuma utilidade."


BEM QUE EU QUERIA IR

Autor: Allen Shawn
Tradução: Caetano Waldrigues Galindo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 48 (312 págs.)




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