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Pioneiros do Kraftwerk retornam após 17 anos em disco que celebra a maior prova do ciclismo mundial
Robôs de bicicleta
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
O coração das máquinas volta a
bater. E agora, os seres robóticos
fazem uma corrida de volta para o
presente. O grupo alemão Kraftwerk reinicializa suas atividades
em estúdio com "Tour de France
Soundtracks", álbum de (quase)
inéditas que interrompe uma
pausa de 17 anos.
Mais do que o resultado em si, o
retorno chama a atenção pela sua
importância histórica, em tempos
de massificação da música eletrônica. Hoje, o Kraftwerk pode ser
considerado mais importante até
do que os Beatles para a música
pop, uma vez que, cada vez mais,
as barreiras entre diferentes estilos perdem o sentido.
Tecno, hip hop, electro, ambient -não há vertente da música eletrônica que não tenha brotado na pista pavimentada pelos esforços pioneiros do grupo a partir
de "Autobahn" (1974).
Homem-máquina
No final dos anos 60, com um
background de música clássica,
Ralf Hutter, 56, e Florian Schneider, 55 (a dupla-cérebro do Kraftwerk), eram as ovelhas negras do
então em voga rock progressivo.
Na base da experimentação, começaram praticamente do zero,
criando seus próprios "instrumentos" e recursos, como osciladores de frequências, filtros sonoros e ruídos da natureza retrabalhados eletronicamente (alguém
aí falou em sample?).
No conceito, o grupo discorria
sobre as dificuldades de relacionamento do ser humano frente ao
progresso. Criaram odes aos inventos do homem. "Autobahn"
celebrava o ato de andar de carro
nas superestradas alemãs; "Radioactivity" (1975) versava sobre
as ondas do rádio; "Trans-Europe
Express" (1977) transmitia as sensações de uma viagem de trem pela Europa; "The Man-Machine"
(1978) já era explícito ao sugerir o
conceito do homem-máquina e
"Computer World" (1981) era dedicado aos computadores, máquinas de calcular etc.
E o que eles teriam de novo para
oferecer após tantos anos?
Paixão por bicicletas
Composto por 12 músicas, o
disco traz na verdade quatro variações sobre "Tour de France"
(Volta da França), música criada
em 1983 a pedido da organização
da homônima e mais importante
competição ciclística do mundo,
para ser usada como tema nas
transmissões de TV.
O cheiro de autopirataria não
pára por aí. O single da música,
em 83, deveria anunciar um disco
chamado "Technopop", que nunca chegou a ser lançado. Ironicamente, Hutter sofreu um acidente
de bicicleta na época. A faixa e o
disco foram então deixados de lado, e o grupo lançou o criticado
"Electric Cafe" (1986), que antecederia a pausa.
Com os recursos tecnológicos
que foram surgindo desde então,
ficou mais fácil para o grupo deslocar-se com seu estúdio Kling
Klang. Shows (como uma concorrida e histórica passagem pelo
Brasil em 1998) ficaram mais frequentes, um disco de remixes
-"The Mix" (1991)- e alguns
poucos singles foram lançados.
Novamente, a convite da organização da competição, que em
2003 comemorou seu centenário,
o grupo resolveu finalizar o trabalho que havia sido deixado de lado. "Tour de France", portanto, é
um disco novo que já chega envelhecido 20 anos em seu conceito.
E, desta vez, o grupo não antecipa
nenhuma tendência -crítica que
ouvem desde 1981, período em
que começaram a surgir os primeiros filhotes do Kraftwerk (Depeche Mode, Soft Cell, New Order) e o tecnopop já constituía
uma cena.
"Como somos grandes fanáticos por bicicletas, sabemos do
que estamos falando", disse Hutter em (raríssima) entrevista à
BBC. "Tour de France", o disco,
foi concebido como trilha sonora
de um filme.
Se na versão original a letra
abordava uma visão dos símbolos
franceses, as de 2003 ganham
mais trechos, que falam de temas
associados à corrida: televisão, reportagem, filmagem, fotografia
etc. Novamente, a voz robótica de
Hutter canta letras minimalistas
como "Vitamin", sobre a preparação dos atletas, e "La Forme",
que cita elementos do funcionamento da "máquina" humana.
Em certo sentido, é um dos discos mais "orgânicos" do Kraftwerk. Muitas das músicas são feitas em cima da idéia de exames
médicos. Entram nas faixas o som
da respiração ofegante de Hutter e
suas batidas do coração, captadas
e adaptadas para entrar no andamento das canções.
"Tentamos incorporar o espírito do ciclismo no álbum. É tudo
muito silencioso. Fizemos a música ser cíclica, para tudo fluir calmamente. Quando sua bicicleta
funciona bem, você não escuta
nada. É apenas o silêncio", disse
Hutter.
Engana-se quem pensa que a temática do grupo mudou. Em outra entrevista, pouco tempo após
o lançamento de "Tour de France", em 83, Hutter era mais explícito ao dizer que, com a bicicleta,
o homem transforma-se numa
máquina em movimento. A bicicleta seria, então, a simbiose perfeita entre homem e máquina.
Não deixa de ser irônico que o
grupo que sempre vislumbrou o
futuro agora olhe para o passado,
para um invento sem tantos circuitos eletrônicos envolvidos. A
eletrônica deixa de lado a revolução e ganha empolgados ciclistas.
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