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LITERATURA
Editora Globo lança primeiro volume dos textos reunidos de Roberto Piva, ícone da poesia paulistana nos anos 1960
Amargo, Piva relança suas "transgressões"
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Sim, há leitores que, há pouco
mais de quatro décadas, engalfinharam-se em livrarias por uma
obra de poesia. Era 1963 e a pequena editora Massao Ohno lançava "Paranóia", livro que, com
acidez e liberdade estética, como
dito e repetido desde então, perfazia a gênese da cidade de São Paulo, a uma vez louvando e maldizendo suas ruas e avenidas. Lançava-o para vê-lo esgotado em
duas velozes semanas.
Roberto Piva, seu autor, era então um jovem recém-passado dos
20 anos, muito diferente do senhor que agora vê suas obras quase completas relançadas pela editora Globo. Afora uma e outra desejável omissão, seus poemas ressurgem reunidos em três volumes, o primeiro dos quais, "Um
Estrangeiro na Legião", tem lançamento hoje, a partir das 19h, no
Espaço Unibanco de Cinema (r.
Augusta, 1.475). O segundo tem
previsão de publicação ainda para
este ano, e o terceiro, que inclui o
mais místico (ou "xamânico", como ele define), "Estranhos Sinais
de Saturno", sai em 2006.
Aqueles leitores da década de
1960 -sem dúvida, em matéria
de poesia, os que mais se aproximariam do que se pode chamar
de "fanáticos"- talvez se entristecessem ao ver Piva trancafiado
em seu apartamento na Santa Cecília, já descrente da vida que pulsa nas ruas. Das ruas, segundo denunciam suas janelas fechadas e
empoeiradas, só lhe alcança o
som das buzinas. Das calçadas,
quem sabe, um ou outro leitor,
um ou outro aspirante a poeta, a
tocar-lhe de surpresa o interfone.
Solitário, Piva se cansou da cidade em cujas praças e parques
despejou seu verbo e, não fosse a
falta de dinheiro, já teria se retirado para morar "no meio do mato,
num sítio qualquer", em suas
mais apoéticas palavras. "Não sou
um poeta da cidade; sou um poeta
na cidade", retifica o paulistano
de nascença, para possível aflição
dos que nele leram o Walt Whitman desta metrópole ou o Rimbaud de um céu mais cinzento.
Resta-lhe, entretanto, ainda que
por vezes com amargura semelhante, ler os poemas que retira
das pilhas de livros que ocupam
seu apartamento, de Murilo Mendes a Federico García Lorca, passando por Dante Alighieri. E resta-lhe também, quando atiçado,
conversar sobre eles e sobre ela,
sua fiel companheira, a poesia.
"A poesia, dizia André Breton, é
a mais fascinante orgia ao alcance
do homem. E Freud explicava que
ela liberta as nossas tensões psíquicas", ensina Piva, aproveitando para explicar o modo como lhe
sobrevêm os poemas. Escreve em
"iluminações", em "surtos", que
curiosamente acumulam-se em
intervalos de 12 em 12 anos. Os
três volumes que a Globo lança
agora correspondem justamente
a seus três principais surtos, como
explica Alcir Pécora, organizador
da publicação.
O primeiro, "de viés beat, whitmaniano e pessoano"; o segundo,
"de traços psicodélicos e experimentais"; o terceiro, "místico e visionário", todos nas palavras de
Pécora. A poesia tem de ser assim,
em surtos? "A minha poesia tem
de ser assim", responde Piva. "Ou
melhor", corrige, após segundos
de silêncio, "é assim".
Em todos os seus surtos existiria
a mesma necessidade de transgressão que havia no primeiro?
"Não, depende do ritmo, da iluminação do momento, da contemplação. Poesia não é coisa
programada", anuncia, para novamente deixar imperar o silêncio
enquanto pensa. "A poesia não é
lógica. É analógica", despeja.
Mas é um instrumento adequado para combater "as odiosas
convenções sociais", como anunciara no posfácio de "Piazzas",
que praticamente constituía um
manifesto de suas intenções, éticas ou estéticas? "Sim, desde que
não seja engajada e programática". E emenda: "poesia, como dizia Octavio Paz, é uma arte minoritária. E uma minoria deixa de
ser minoria quando tem a posição
transgressora correta".
O silêncio volta a protagonizar o
ar do claustrofóbico apartamento. O mote da conversa talvez estivesse, de fato, exasperado. Talvez
não merecesse mais palavras ditas. Piva, no entanto, tem algo
mais a pontuar, quem sabe conferindo sentido e redenção a tudo
aquilo: "A poesia é um caminho
que exige vocação e sacrifício.
Mas tem suas alegrias também".
Um Estrangeiro na Legião
Autor: Roberto Piva
Organizador: Alcir Pécora
Editora: Globo
Quanto: R$ 38 (200 págs.)
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