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CRÍTICA
Poética de Roberto Piva põe a nu a grandeza da vida experimental
EDUARDO STERZI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Frente a uma obra poética
como a de Roberto Piva, que
ostenta a cada verso o projeto
existencial e político que a fundamenta, seria fácil incidir em dois
extremos antagônicos, mas infrutíferos, da crítica: apologia e rejeição irrefletidas. Bastaria ao leitor
concordar ou não com aquele
projeto, e o juízo, favorável ou
desfavorável, estaria pronto. Não
menos cômodo seria pôr tal projeto entre parênteses e abordar os
poemas por critérios técnicos.
Mais difícil -e recompensador- é buscar compreender como as inconsistências das convicções do autor podem estar na base
do êxito paradoxal que a poesia,
muitas vezes, alcança. Neste primeiro volume das obras reunidas
de Piva, que a Globo publica com
o título de "Um Estrangeiro na
Legião", já se verifica com clareza
esta fecunda dissonância entre
projeto e obra, intenção e poesia.
Em seus dois primeiros livros,
"Paranóia" (1963) e "Piazzas"(1964), o exacerbado vitalismo de extração sobretudo nietzschiana, o qual esteve sempre na
origem da atitude poética de Piva,
encontra a todo momento seus limites no texto, à medida que este
se abre para o mundo em convulsão (em especial, uma São Paulo
que se transformava em metrópole), e não apenas para o eu.
É conhecida a proposição de Piva segundo a qual não existe poeta experimental sem "vida experimental". Este esforço para lastrear
a poesia na vida supõe uma operação conceitual prévia à escrita
poética, enunciada no posfácio a
"Piazzas" e nos manifestos assinados com o pseudônimo coletivo "Os que Viram a Carcaça", assim como em alguns poemas. Por
esta operação, distingue-se uma
"vida" digna de ser vivida, a "vida
experimental" ("vida cavalgada
em emoções", a "grande vida", segundo expressões da "Ode a Fernando Pessoa", de 1961 agora retomada), e uma vida que sucumbe "no torniquete da consciência", que se deixa domesticar pelas "convenções sociais" e resulta,
portanto, antipoética.
Mas a figuração da "vida" experimental não será também condicionada pela outra vida reprimida
e repressora? Será legítimo o esquema mental eu-e-meus-pares-vivemos/os-outros-estão-mortos? Fábio de Souza Andrade já
observou que esta poesia, que se
quer "crítica acima de tudo",
"nem sempre se dá conta do
quanto a falsidade do todo a penetra, contaminando seu protesto". Daí o aspecto aterrador de
que o vitalismo às vezes se reveste:
"Quero a destruição de tudo que é
frágil". A investida de Piva contra
a "piedade" e seus agentes, sejam
"senhoras católicas" ou "comunistas", só admite a solução de ser
impiedoso quando a transgressão
estaria em romper com a necessidade de tal oposição.
A exaltação da vida mal dissimula o fato de que, em certo sentido, ninguém mais vive. O grande
interesse da poesia de Piva, ao arrepio de seu projeto, está em deixar a nu os limites destas estratégias de auto-ilusão, que são, no
fundo, as de toda uma sociedade.
Eduardo Sterzi é poeta, doutorando em
teoria e história literária pela Unicamp e
autor do livro "Prosa"
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