São Paulo, sábado, 29 de setembro de 2007

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Comentário

Se o sertão está em toda parte, músico dá voz ao sertão que se vê por aqui

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Alô Chitãozinho e Xororó! Alô Zezé Di Camargo e Luciano! Onde estão vocês, que ainda não gravaram alguma canção deste sertanejo paulista que é Mauricio Pereira? Vocês estão convidados a escutar o seu novo CD, "Pra Marte", e a conhecer o sertão de São Paulo. Afinal, se "o sertão está em toda parte", São Paulo é um de seus mais curiosos representantes.
Nós não somos alegres como os cariocas ou os baianos. Nosso humor vem sempre carregado de uma dose de auto-ironia e melancolia. São Paulo é uma cidade toda torta: bonita porque feia, moderna e provinciana, inóspita e acolhedora. Nós, paulistanos, somos todos retirantes-moradores do deserto-fabulistas-tocadores de gado-homens de negócios -aflitos, perguntando onde viemos amarrar nosso burro.
E Pereira é uma de nossas melhores vozes, ainda um pouco mais à esquerda do que o próprio "gauche" Tom Zé. Numa homenagem aos boiadeiros-motoboys, por exemplo, Mauricio fala em "diamantes brutos/ todos putos/ interrompidos/ trancados no cofre".
Em outra canção, com uma letra que não pareceria caber em melodia alguma (mas acaba cabendo, porque essa tortuosidade é determinante para o compositor), a cidade não oferece resposta, só lança mais perguntas: "Pergunta, resposta, coisa nenhuma, ninguém: eventualmente o vazio espesso sugere a sensação da presença ou da ausência de um deus. E ele esteve aí, agora mesmo, aos urros. E não deixou rastro um segundo depois (tendo ou não estado ali um segundo atrás)".
Na canção de amor "Trovoa", a clássica declaração de amor também tem alguma coisa da nossa doce esquisitice paulista: "seja meiga, seja objetiva, seja faca na manteiga (...) a fuligem me ofusca, a friagem me cutuca, nascer do sol visto da Vila Ipojuca, o aço frio do Metrô, o halo fino da tua presença" e a paulistanice mais autêntica e dolorida da solidão na "padoca em Santa Cecília".
No rock/country "Quieto um Pouco", Mauricio Pereira sintetiza o silêncio profundo do barulho interminável de São Paulo: "Eu vou caminhar só, vou subir um morro, olhar pra cidade, ficar quieto um pouco... difícil conter tanta coisa que eu tenho, quando eu tou vazio". O grande vazio pleno de São Paulo agradece. (NOEMI JAFFE)


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