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Comentário
Se o sertão está em toda parte, músico dá voz ao sertão que se vê por aqui
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Alô Chitãozinho e Xororó! Alô Zezé Di Camargo e Luciano! Onde estão vocês, que ainda não gravaram alguma canção deste sertanejo paulista que é Mauricio
Pereira? Vocês estão convidados a escutar o seu novo CD,
"Pra Marte", e a conhecer o sertão de São Paulo. Afinal, se "o
sertão está em toda parte", São
Paulo é um de seus mais curiosos representantes.
Nós não somos alegres como
os cariocas ou os baianos. Nosso humor vem sempre carregado de uma dose de auto-ironia e
melancolia. São Paulo é uma cidade toda torta: bonita porque
feia, moderna e provinciana,
inóspita e acolhedora. Nós,
paulistanos, somos todos retirantes-moradores do deserto-fabulistas-tocadores de gado-homens de negócios -aflitos, perguntando onde viemos
amarrar nosso burro.
E Pereira é uma de nossas
melhores vozes, ainda um pouco mais à esquerda do que o
próprio "gauche" Tom Zé. Numa homenagem aos boiadeiros-motoboys, por exemplo,
Mauricio fala em "diamantes
brutos/ todos putos/ interrompidos/ trancados no cofre".
Em outra canção, com uma
letra que não pareceria caber
em melodia alguma (mas acaba
cabendo, porque essa tortuosidade é determinante para o
compositor), a cidade não oferece resposta, só lança mais
perguntas: "Pergunta, resposta,
coisa nenhuma, ninguém:
eventualmente o vazio espesso
sugere a sensação da presença
ou da ausência de um deus. E
ele esteve aí, agora mesmo, aos
urros. E não deixou rastro um
segundo depois (tendo ou não
estado ali um segundo atrás)".
Na canção de amor "Trovoa",
a clássica declaração de amor
também tem alguma coisa da
nossa doce esquisitice paulista:
"seja meiga, seja objetiva, seja
faca na manteiga (...) a fuligem
me ofusca, a friagem me cutuca, nascer do sol visto da Vila
Ipojuca, o aço frio do Metrô, o
halo fino da tua presença" e a
paulistanice mais autêntica e
dolorida da solidão na "padoca
em Santa Cecília".
No rock/country "Quieto um
Pouco", Mauricio Pereira sintetiza o silêncio profundo do
barulho interminável de São
Paulo: "Eu vou caminhar só,
vou subir um morro, olhar pra
cidade, ficar quieto um pouco...
difícil conter tanta coisa que eu
tenho, quando eu tou vazio". O
grande vazio pleno de São Paulo agradece.
(NOEMI JAFFE)
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