São Paulo, quarta-feira, 29 de setembro de 2010

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29ª BIENAL DE ARTES

Ataques reacendem debate na Bienal

Pichador de "liberte os urubu" diz que é "indiferente rabiscar obra" e que ética da rua não é a mesma do pavilhão

Artistas defendem ideia dos curadores de convidar pichadores para a exposição, mas repudiam os ataques

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Na rua, uma regra não escrita entre pichadores é que um não pode passar por cima do trabalho do outro, "atropelar", no jargão do asfalto.
Mas o comportamento mudou dentro do pavilhão da Bienal, onde um dos integrantes do grupo Pixação SP, que integra a mostra, pichou no último sábado a instalação do artista Nuno Ramos.
"Todo "pixo" é feito de forma ilegal, todo mundo se arrisca e por isso tem respeito", disse Djan Ivson, autor da ação. "Mas a gente não tem nada a ver com esses artistas, não tem relevância nenhuma o trabalho deles. Para nós, é indiferente rabiscar a obra."
Desde a abertura da exposição, ataques às peças de Ramos e da dupla Kboco e Roberto Loeb têm reacendido o debate em torno da pichação, levantando dúvidas sobre a tentativa de inclusão do estilo pelos curadores dessa 29ª edição da mostra.
Depois dos ataques à Bienal há dois anos, que resultaram na prisão de Caroline Pivetta, os curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias decidiram fazer um convite a representantes do gênero.
"São códigos diferentes, na rua eles estão entre eles e o respeito é mútuo ali", diz Dos Anjos. "Mas é essa diferença de regras que a gente está testando nessa Bienal, a gente assume o conflito."
Loeb, que teve seu trabalho pichado, vê no episódio um reflexo da desigualdade.
"Manifestações extremas desse tipo carregam a cor social do que está ocorrendo, a gente não está num país certinho", afirma. "Quem se alça a outros espaços é visto como um cara que diverge da comunidade, que saiu da turma, é uma briga de classes."
Sua análise parece valer tanto para pichadores quanto para seu parceiro na Bienal, o artista Kboco, que também começou na arte de rua. "Não faço arte para ganhar dinheiro", diz Kboco. "Já comprei briga com a elite."
Num gesto comedido, Nuno Ramos decidiu não prestar queixas contra Ivson, reforçando o que chama de "espaço para o diálogo" que deveria ser a Bienal. Ele também discorda da visão de luta de classes e de fricção entre os códigos de conduta.
"Não é possível fazer uma generalização, nem acho que isso tem a ver com a origem dele", afirma Ramos. "A classe alta também pode atacar."
Cildo Meireles, outro artista da Bienal, defendeu a atitude dos curadores, mas criticou os ataques. "Não compreenderam o espírito da coisa", diz o artista. "Isso é uma raiva mal resolvida, um ato de desespero que não podemos confundir com arte."
Há oito anos, uma obra de Lenora de Barros no Maria Antonia também foi pichada. Autores da ação mostraram até um projeto da intervenção à artista. Mas no caso da Bienal, ela diz não ver "nenhuma intenção artística".
"Eles vivem da transgressão", diz. "Mas ao mesmo tempo a situação acaba gerando figuras isoladas, que não respondem pelo grupo."
"Não acho que foi vacilo a Bienal ter chamado pichadores", opina a artista Adriana Varejão. "Mas a Bienal está virando uma plataforma de heróis da pichação, algo meio marqueiteiro. Estão querendo virar celebridade."


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