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A Monica Lewinsky é bonitinha, mas ordinária
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
²
O telefone preto tocou de novo. Quem faz o favor de me ler
sabe que eu, de tempo em tempo, falo com Nelson Rodrigues
em busca de conselho; melhor
dizendo, ele sabe quando eu
preciso de atendimento. Alguma coisa chega ao céu, lá na
nuvenzinha de papel pintado
onde ele vive, como um cenário
de teatro Recreio, e aí, batata,
ele me liga. Pois eis que o negro
telefone tocou. Como ele dizia:
"O telefone tocando é uma janela aberta para o infinito...".
- Rapaz, você atendendo ao
próprio telefone como se fosse o
contínuo de si mesmo...
(Sempre o mesmo bordão, como uma senha. E eu respondo,
em contra-senha.)
- Eu sou um pobre homem
de Póvoa do Varzim, Nelson...
- Que nada... você ainda
tem um pouco de pão e manteiga para lhe barrar por cima...
(Essas frases do Eça de Queiroz sempre abriam nossa conversa...)
- Rapaz, estou besta!... Eu
só, não: os querubins, os serafins, arcanjos, virgens falecidas
no século passado, suicidas que
tomaram formicida com guaraná, está todo mundo besta
no céu, rapaz, com a mudança
no mundo. O mundo levou
exatamente meia hora para
mudar...
(Eu, metido a intelectual em
pânico, embarco na teoria.)
- Pois é, Nelson... a globalização da economia mostrou
sua face verdadeira porque, veja bem, a burguesia internacional, por conta de uma grande voracidade monetarista, estava tentando nos convencer
de que novas "relações de produção" criariam da miséria
uma nova classe média emergente.
- Rapaz, pára com isso...
que "classe média" que nada; o
"Homem" é de classe média...
O que eu estou besta é justamente o contrário: como os pecados capitais mais vagabundos podem mudar o mundo. Os
comunas diziam que eu era
"alienado" porque eu não acreditava na economia; agora, está aí... Vou te contar uma história... Um dia o Ruy Guerra,
grande cineasta, e o Vianninha,
pálido e bonito como um Byron
do Partidão, resolvem escrever
um roteiro de filme chamado
"O Adultério". Pois, como eu
era o "alienado de carteirinha",
me chamaram para escrever
com eles. Eu fui a umas duas
reuniões e depois desisti, porque eles queriam uma visão
"sociológica" do pecado. Queriam que eu escrevesse uma estória em que a mulher, uma senhora casada, fina e pura, fosse
trair o marido, caindo na cama
do amante movida apenas pelas "relações de produção", rapaz... Eu desisti. A santa senhora não tinha culpa nenhuma
em botar chifres de búfalo da
ilha de Marajó no marido... Tudo era "culpa das contradições
do capitalismo". Fui embora. E,
agora, você vê que eu tinha razão...
- Como assim? (Respondi eu,
como nos maus diálogos de filme dublado.)
- Ora, rapaz, o mundo está
curvado diante do adultério. O
Ocidente inteiro está diante da
"Engraçadinha" ou da "Bonitinha". A Monica Lewinsky é
exatamente a Engraçadinha, o
Clinton é um fauno de tapete e
o Ocidente é um folhetim de Eugenio Sue, rapaz, o Ocidente é a
"Revista do Rádio"... Por exemplo, qual é a razão que move este homem Kenneth Starr? É impressionante o ódio dele contra
o Clinton, só parecido com o
ódio do dr. Alceu de Amoroso
Lima contra mim... Ele dizia:
"Sai desta lama, Nelson!...". Ele
era um poço de virtudes. Diante
da virtude do dr. Alceu, todos
nós tínhamos vontade de virar
imediatamente ladrões de galinha. É também feito o Gilberto
Amado, que escreveu um livro
de memórias em que não havia
nem um só pecado, um deslize,
um pequeno crime. Diante das
memórias de Gilberto Amado,
os leitores ficavam com saudades da degradação, com uma
imensa nostalgia do excremento. Só uma grande paixão justifica esse ódio do Starr; esse homem é apaixonado pelo Clinton. Veja você, rapaz, outro tema meu: a paixão negra, obtusa. Quer ver outra? A inveja do
Newt Gingrich...
- Poxa, Nelson, você está informado...
- Os querubins lêem o "New
York Times" e me emprestam.
Eu dou a eles o "Jornal dos
Sports". Pois o Gingrich é a
maior inveja do universo. Tudo
que ele quer na vida é amarrar
o Clinton no pé da mesa, bebendo água na cuia de queijo Palmira. Por quê? O óbvio: porque
o Clinton é bonito feito um galã
de filme de mocinho, cheio de
amantes, e é presidente. E ele,
com aquela cara "lombrosiana", feio e cabeçudo feito um
anão de Velázquez...
- Você gosta do Clinton, Nelson?
- O Clinton é uma ilusão...
Se você for olhar o governo dele,
vê que ele não fez absolutamente nada... Quis fazer um plano
de saúde pública, ficou difícil,
desistiu; jogou os democratas
para "corner" e coisa e tal... Ele
teve uma sorte danada, porque
os Estados Unidos estão riquíssimos... Todo americano tem
um Mercedes com chafariz dentro... E, como ele é bonito, tem
um sorriso encantador de menino, pronto... Ele satisfaz nossa fome de ilusões... de grandeza... O feio não perdoa...
- Mas a globalização da economia não vai dar certo?
- Que "globalização", rapaz... Os EUA estavam desesperados com tantas vitórias também... Ninguém aguenta tanta
vitória... Você viu aquele sujeito, o John Meriwether, o dono
da LTCM, a mais chique corretora do mundo...
- Quem?
- Você não lê o "Financial
Times", rapaz... Aqui no céu, eu
leio... Pois esse Meriwether dirigia bilhões dentro de sua piscina em Connecticut, era patrão
de dois prêmios Nobel... Os prêmios Nobel puxavam- lhe o saco, comiam alpiste na mão dele.
O homem mexia em US$ 1 trilhão, igual à produção da China. Pois o sujeito faliu, rapaz;
está roendo rapadura no meio-
fio de Wall Street... Por quê?
Máscara. Cobiça. O sujeito
mascarado acaba assim. São
paixões... tudo folhetim... Não
tem nada de "globalização"...
Isso é lero-lero. Debaixo deste
negócio de que há uma espécie
de "razão natural" da economia que regula tudo, como se os
homens não existissem, o que
há são as paixões humanas: o
egoísmo, a vaidade, "a fome de
um lado e de outro a indigestão", como dizia Thomaz de
Alencar, poeta lírico-político
em "Os Maias". Desculpe a
máscara, mas o mundo está
muito parecido com a "Vida
Como Ela É". Feito a "adúltera" do Vianninha. Por baixo
das "relações de produção", estão os sete pecados capitais.
Agora, eu acho isso muito bom,
para acabar com esta coisa de
que somos uma "grande nação
única", comandada pelos americanos... O mundo é o Méier,
rapaz, o mundo é Madureira...
Pode ir ao Japão, às Filipinas
que Cascadura está lá mesmo,
com botequim e cachorro vira-
lata. Isso é bom; os reis do mundo estão tendo de prestar atenção de novo em nós, os barnabés, os "pés-rapados". Se a gente morrer de fome, quem vai
comprar no armazém deles? E
tem mais: os EUA estão também descobrindo que eles não
passam de uma grande Cascadura disfarçada. Eu nunca vi,
meu Deus, tanta fome de se
mostrar como eles estão tendo...
Eles estão tendo a suprema volúpia de mostrar todas as sujeiras para a humanidade inteira
de boca aberta. Eu tenho a teoria, o palpite de que os EUA não
aguentavam mais tanta vitória, tanto sucesso. Meu palpite é
que os americanos estavam
com uma profunda nostalgia
do excremento, feito os leitores
do Gilberto Amado e do dr. Alceu...
- É isso aí, Nelson...
- E você, rapaz, pára com este negócio de Nova York e volta
pro Méier...
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