São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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CRÍTICA

"Primogênito" antecipa fórmula do sucesso

ESPECIAL PARA A FOLHA

"Anjos e Demônios" faz mistura para fiel leitor nenhum botar defeito. A fórmula é exatamente a mesma de "O Código Da Vinci": narrativa fluente, confronto entre ciência e religião, grupos esotéricos, aparatos de alta tecnologia, códigos secretos, pílulas de história da arte, muitas informações supostamente verídicas e discussão etimológica.
Para comentar a obra, antes de mais nada, é preciso deixar claro que não se trata de "literatura". O livro apenas compartilha um código, a escrita, usado também por inúmeras outras formas de texto.
Ao contrário do que acontece com os contos policiais de Jorge Luis Borges ou com os romances de Patricia Highsmith, para citar dois autores muito diferentes entre si, a força do livro de Dan Brown se sustenta quase exclusivamente no enigma.
Depois que você sabe quem são os misteriosos culpados, não faz sentido voltar a ele. Ao contrário de um texto literário, uma obra como esta não exige releitura, mais do que isso, não se modifica com a releitura: uma vez consumida, está terminada (ainda que os leitores/espectadores estejam cada vez mais comodistas, dispostos a sempre ler/ver mais do mesmo, como pode ser facilmente comprovado pelas inúmeras seqüências idênticas aos seus originais lançadas semanalmente).
É por tentar estabelecer comparações entre as duas formas que um crítico como Geoffrey Hartman pôde escrever, em um artigo há mais de 20 anos, que "o problema com o romance policial não é que ele seja moral, e sim moralista, não é que ele seja popular, e sim convencional, não é que lhe falte realismo, e sim que ele apanhe o realismo mais recente e se aproveite dele".
Dito isso, é preciso dizer também que o livro é divertido e é mesmo difícil largá-lo antes de terminá-lo. Ele dá de dez a zero nas produções dos Sidneys Sheldons da vida, cujos livros tentam ser "literários" e, às vezes até com material parecido, só conseguem fazer pastiches horríveis de romances ruins do século 19.
Ao contrário de "O Código Da Vinci", em que os elementos daquela fórmula citada acima são atirados para o leitor em quase todas as páginas do livro como se o autor tivesse necessidade de explorar ao máximo uma receita que deu certo, aqui eles comparecem com maior comedimento, dando a Dan Brown mais tempo para desenvolver a seqüência narrativa e os personagens. Isso faz diferença principalmente no final, em que -a despeito do salto de helicóptero mais estapafúrdio da história- as linhas da intriga são mais bem amarradas.
Por fim, uma sugestão. Os fãs de romances assim vão certamente apreciar uma série como "Alias", que lida com questões muito semelhantes. Para quem se interessar, a terceira temporada começa a ser exibida na próxima quarta-feira, no canal Sony.


Adriano Schwartz é doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'"(ed. Globo)

Anjos e Demônios
   
Autor: Dan Brown
Editora: Sextante
Quanto: R$ 39,90 (464 págs.)


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