São Paulo, sábado, 29 de outubro de 2005

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CRÍTICA

"Sábado" tem impacto imediato ao incorporar o noticiário atual

DA REDAÇÃO

Há oito anos, Ian McEwan sintetizou em um acidente com um balão a urgência de respostas que requeriam almas e corpos humanos num momento muito preciso da história, o mundo dos anos 90 e do chamado "fim das ideologias" ("Amor para Sempre", ed. Rocco, 1997).
Agora, McEwan faz uso também de um episódio trágico -um acidente de trânsito- para especular sobre as transformações pós-11 de Setembro e, talvez de forma autobiográfica, tratar da questão do envelhecimento nesse contexto histórico muito específico, em que as ameaças terroristas, as guerras e as mortes em massa são transmitidas quase ao vivo a qualquer habitante do planeta conectado à internet ou à televisão.
McEwan é hoje o mais importante escritor britânico, vencedor do Booker Prize em 1998.
Em "Sábado", sua escrita concisa e provocadora aparece ainda mais madura. No acidente em torno do qual gira a história, o neurocirurgião Henri Perowne, um homem de 48 anos que vislumbra o ocaso de sua vida e que assiste com apreensão às notícias de um mundo prestes a entrar em guerra, se vê acuado por bandidos que bateram em seu carro.
Com medo de apanhar, faz, então, mau uso de seus conhecimentos médicos para constranger o agressor. Ele percebe que o jovem bandido, Baxter, apresenta sinais de uma doença degenerativa cerebral grave e acena com a possibilidade de uma cura impossível. Com a artimanha, é libertado, mas passa a ser perseguido pela própria consciência.
A partir de então, tudo o que faz em seu dia é contaminado por um sentimento de culpa e por ver despertar uma súbita compaixão por um homem doente -algo que até então nunca lhe ocorrera diante de seus pacientes.
O romance avança no ritmo de thriller psicológico que caracteriza a obra anterior de McEwan até que a ação real toma conta do cenário, com a reaparição de Baxter como real ameaça à vida de Perowne e de sua família.
Apesar de conter ingredientes que fizeram o sucesso do escritor em outros livros, como o confronto pessoal de um homem com sua consciência ("Amor para Sempre") ou a presença constante da morte ("Amsterdam", 1998, ed. Rocco), "Sábado" não consegue superar o antecessor "Reparação" (2001, Companhia das Letras), romance que dialogava com a tradição das letras inglesas, trafegava pela história e propunha uma inversão de perspectivas num jogo literário original.
"Sábado" se beneficia por ter impacto imediato ao usar fatos do noticiário de nossos dias, mas talvez por isso mesmo esteja condenado a se tornar um livro datado em alguns anos. Ou seja, leia já.
(SYLVIA COLOMBO)


Sábado
   
Autor: Ian McEwan
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 47 (336 págs.)


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