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CRÍTICA
"Sábado" tem impacto imediato ao incorporar o noticiário atual
DA REDAÇÃO
Há oito anos, Ian McEwan
sintetizou em um acidente
com um balão a urgência de respostas que requeriam almas e
corpos humanos num momento
muito preciso da história, o mundo dos anos 90 e do chamado "fim
das ideologias" ("Amor para
Sempre", ed. Rocco, 1997).
Agora, McEwan faz uso também de um episódio trágico
-um acidente de trânsito- para
especular sobre as transformações pós-11 de Setembro e, talvez
de forma autobiográfica, tratar da
questão do envelhecimento nesse
contexto histórico muito específico, em que as ameaças terroristas,
as guerras e as mortes em massa
são transmitidas quase ao vivo a
qualquer habitante do planeta conectado à internet ou à televisão.
McEwan é hoje o mais importante escritor britânico, vencedor
do Booker Prize em 1998.
Em "Sábado", sua escrita concisa e provocadora aparece ainda
mais madura. No acidente em
torno do qual gira a história, o
neurocirurgião Henri Perowne,
um homem de 48 anos que vislumbra o ocaso de sua vida e que
assiste com apreensão às notícias
de um mundo prestes a entrar em
guerra, se vê acuado por bandidos
que bateram em seu carro.
Com medo de apanhar, faz, então, mau uso de seus conhecimentos médicos para constranger o agressor. Ele percebe que o
jovem bandido, Baxter, apresenta
sinais de uma doença degenerativa cerebral grave e acena com a
possibilidade de uma cura impossível. Com a artimanha, é libertado, mas passa a ser perseguido pela própria consciência.
A partir de então, tudo o que faz
em seu dia é contaminado por um
sentimento de culpa e por ver despertar uma súbita compaixão por
um homem doente -algo que
até então nunca lhe ocorrera
diante de seus pacientes.
O romance avança no ritmo de
thriller psicológico que caracteriza a obra anterior de McEwan até
que a ação real toma conta do cenário, com a reaparição de Baxter
como real ameaça à vida de Perowne e de sua família.
Apesar de conter ingredientes
que fizeram o sucesso do escritor
em outros livros, como o confronto pessoal de um homem
com sua consciência ("Amor para
Sempre") ou a presença constante
da morte ("Amsterdam", 1998,
ed. Rocco), "Sábado" não consegue superar o antecessor "Reparação" (2001, Companhia das Letras), romance que dialogava com
a tradição das letras inglesas, trafegava pela história e propunha
uma inversão de perspectivas
num jogo literário original.
"Sábado" se beneficia por ter
impacto imediato ao usar fatos do
noticiário de nossos dias, mas talvez por isso mesmo esteja condenado a se tornar um livro datado
em alguns anos. Ou seja, leia já.
(SYLVIA COLOMBO)
Sábado
Autor: Ian McEwan
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 47 (336 págs.)
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