São Paulo, quarta-feira, 29 de outubro de 2008

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32ª AMOSTRA DE SP

Crítica/"A Floresta dos Lamentos"

Cinema vertiginoso de diretora japonesa evoca ritual pagão

Naomi Kawase aborda história de idoso retirado em casa de repouso em região rural

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Uma dívida histórica com o público paulistano foi reparada nesta Mostra com a seleção de "A Floresta dos Lamentos", da diretora japonesa Naomi Kawase. Depois de festejada pelo público do Festival do Rio no ano passado, a exibição em SP do vencedor do Grande Prêmio do Festival de Cannes em 2007 é rara chance de experimentar o vertiginoso cinema de Kawase.
Como indica o "mogari" do título original ("Mogari no Mori"), "Floresta dos Lamentos" é sobre viver uma perda e, de algum modo, aprender a absorvê-la. Em japonês, "mogari" designa tanto "um período de luto" como "o lugar do luto".
A experiência é representada na figura de Shigeki, um idoso um tanto tantã, retirado numa casa de repouso em região rural, e Machiko, uma jovem que trabalha na instituição.
Entre os dois, paira o fantasma de Mako, mulher de Shigeki morta há 33 anos. A precisão do número se justifica por um diálogo que nos revela que, ao se completarem os 33 anos da morte, a pessoa torna-se buda e deixa de perambular pelo reino dos vivos.
Os ciclos da existência, as recorrências de velhice e juventude e, sobretudo, a morte cujo efeito de ruptura organiza o sentido da vida são os temas mais recorrentes da obra de Kawase, distribuída desde 1998 em muitos documentários e poucas ficções.
Ao longo de sua filmografia, a ênfase na subjetividade marca os documentários, muitos com base em vivências pessoais ou de familiares. Já nas ficções, Kawase introduz uma variação doce de perspectiva, levando a narrativa a transitar do objetivo ao subjetivo por meio de uma mobilidade baseada num uso personalíssimo que a diretora faz da câmera na mão.

Fluidez
Esqueça o efeito-histeria do procedimento em nossos "filmes de favela" ou a dureza realista dos filmes dos irmãos Dardenne e, em seguida, convertida em clichê contemporâneo.
Fluidez é conceito mais adequado para descrever o cinema de Kawase e é isso que ela nos oferece no ápice de "A Floresta dos Lamentos".
Quando Shigeki e Machiko se perdem no interior da floresta, o filme nos permite abandonar o lugar passivo de espectadores e adentrar num espaço onde ser visível coincide com ser vivo, o que vale para tudo o que se encontra presente na imagem -atores, água, lama, flores, árvores e música. Trata-se de um instante sublime, em que nos libertamos do realismo para embarcarmos num ritual pagão, no qual Kawase celebra a eternidade do animismo.

A FLORESTA DOS LAMENTOS
Quando: hoje, 15h10, no Reserva Cultural; amanhã, 15h50, no Cinesesc
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: ótimo



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