São Paulo, sábado, 29 de outubro de 2011

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Romance traz Lima Barreto apaixonado

Após ensaio premiado sobre autor, Luciana Hidalgo estreia na ficção

Livro ambientado na belle époque carioca mostra a juventude do escritor, já mordaz, porém puro e idealista

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Pesquisadora dos limites entre sanidade e loucura em Lima Barreto, a jornalista Luciana Hidalgo recorreu à ficção para mostrar uma face menos conhecida do escritor.
Recém-lançado pela Rocco, o romance "O Passeador" constrói um personagem terno, puro e idealista.
Ao percorrer a juventude de Lima Barreto (1881-1922), antes de ele publicar os livros que o tornariam respeitado, Hidalgo revela um homem já mordaz, mas bem mais suave que aquele da fase adulta -amargurado, belicoso e atormentado por alucinações decorrentes do álcool.
"Ele buscava a sinceridade, a verdade e a pureza. Mas, com as dificuldades e a rejeição que enfrentou, inclusive da crítica, foi se amargurando. Por isso que escrevo [no livro] que só é muito cínico quem um dia já foi muito ingênuo", conta a autora.
O primeiro mergulho de Hidalgo no gênio do autor de "Triste Fim de Policarpo Quaresma" produziu "Literatura da Urgência - Lima Barreto no Domínio da Loucura" (Annablume), ganhador do prêmio Jabuti de crítica literária em 2009 e derivado da sua tese de doutorado em literatura comparada na Uerj (Universidade do Estado do RJ).
Se naquele trabalho a jornalista investigou a influência da experiência manicomial sobre a escrita de Lima Barreto, agora a aventura ficcional lhe garante maior licença para mesclar gêneros.
Meio novela, meio romance, "O Passeador" -que recebeu a Bolsa Funarte de Criação Literária, de R$ 30 mil- agrega pitadas de história e ensaio e traz dados biográficos e trechos do diário de Lima Barreto.
O cenário é o Rio da belle époque, entre 1904 e 1905, um caótico canteiro de obras da reforma urbana do prefeito Pereira Passos.
O personagem de Lima Barreto, identificado pelo primeiro nome do escritor, Afonso, é o "passeador" do título, que, inconformado com a descaracterização da cidade, faz vigílias noturnas observando as alterações.
Durante o dia, divide-se entre o trabalho burocrático na Secretaria da Guerra e as idas ao sebo do livreiro português Tiago, onde trabalha a jovem Sofia, cuja origem a trama desvenda aos poucos -e com quem Afonso mantém um flerte platônico.
Nascido há 130 anos no Rio, o que justifica tantos títulos em torno dele em 2011, Lima Barreto foi um celibatário. Ia a prostíbulos, mas, recorda Hidalgo, saía enojado.
Seria Sofia um alter ego de Luciana Hidalgo? "Tem um pouquinho, sim. A paixão pela literatura, o idealismo. Mas Sofia também é meio que um duplo feminino dele."
Ex-repórter de cultura do "Jornal do Brasil" e de "O Globo", a carioca Hidalgo, 46, que mora temporariamente na França, onde faz pós-doutorado na Universidade Sorbonne/Paris 3, é autora da biografia de outro artista a ter sua obra impregnada pela internação manicomial: Arthur Bispo do Rosário (1911-1989).
"O Senhor do Labirinto", premiado em 97 com o Jabuti de livro-reportagem e base do filme homônimo de Geraldo Motta que deve ir a circuito em 2012, acaba de ganhar reedição atualizada (Rocco).
Após se debruçar nos últimos anos sobre a relação entre loucura e criação, a autora investiga agora a chamada autoficção, tema de seu pós-doc. Em julho de 2012, participará de um colóquio internacional sobre o tema em Cerisy, na Normandia, e planeja ainda um próximo romance, uma história de amor.

O PASSEADOR
AUTORA Luciana Hidalgo
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 26 (192 págs.)


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