São Paulo, quinta-feira, 29 de novembro de 2001

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Ira! pula na fogueira em "Entre Seus Rins"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

É hora de pular na fogueira. Depois de acumular energias lançando um CD de covers ("Isso É Amor", 99) e outro de "nossos maiores sucessos" ("MTV ao Vivo", 2000), a banda Ira! apresenta "Entre Seus Rins", o primeiro realmente inédito desde "Você Não Sabe Quem Eu Sou" (97).
Os quatro integrantes se dizem confortáveis com a fase de recuperação de popularidade iniciada em 99, mas admitem indiretamente que nos CDs anteriores economizaram fichas-bônus junto à gravadora (a hipercomercial Abril Music), para agora mergulhar de volta na experimentação.
"Em alguns momentos, tivemos discos mais pop. Esses dois últimos foram feitos pensando em rádio. O de agora é um resgate de conceitos", afirma o guitarrista Edgard Scandurra, 39.
Autor solitário da maioria das faixas do novo CD, ele fala do processo de voltar a compor: "Às vezes dá um branco, você fica anos sem conseguir compor. O branco pinta, você fica triste, aí de repente vem uma avalanche. Me senti tão feliz quando comecei a escrever, a ver que podia criar uma fabriquinha de letras e músicas novas".
O vocalista Nasi, 39, concorda: "Eu, particularmente, estou numa entressafra. Mas isso não me incomoda. O que importa é termos boas composições para criar. Não faz diferença de qual de nós elas sejam".
Nesse pique é que entram duas faixas extra-Ira!, "Naftalina" (da banda mineira Radar Tantã, apadrinhada por Edgard) e "Homem de Neanderthal" (de Frank Jorge, herói do rock gaúcho). "Gostamos sempre de trabalhar com compositores externos, mas que façam parte do underground do rock", justifica Scandurra.
Ainda que bem roqueiro, "Entre Seus Rins" retoma o vínculo do Ira! com experiências eletrônicas, elemento trazido ao CD de 97 por Scandurra, com resultados controversos entre os fãs fiéis da banda ("90% do nosso público não viu com bons olhos a mistura de rock e música eletrônica", admite o guitarrista).
O disco começa com "O Bom e Velho Rock'n'Roll", que, segundo eles, é a faixa mais eletrônica de "Entre Seus Rins". "Quem ouvir vai pensar: "O que é? Uma música do Made in Brazil, louvando o rock?". Pode ser, mas bom e velho é o Papai Noel. É uma música ácida e crítica ao rock, que pergunta onde foi parar aquela música transgressiva que foi ficando cheia de regras, nos "entorpeceu e encaretou'", filosofa Edgard.
"É a velha crise edipiana do Ira! com o rock, que vem desde "Psicoacústica" (88)", brinca Nasi. "Temos fãs mais xiitas, toda banda tem. É uma espécie de Taleban, são os extremistas. Mas o Ira! sempre soube peitar o público. Aconteceu quando fizemos balada para público punk, quando assumimos sonoridade mod, quando usamos hip hop em 88."
"Mas hoje o presidente do nosso fã-clube já pergunta quando vai ter rave", brinca Edgard.
A homogeneidade temática é outro dado de "Entre Seus Rins", embora não proposital. "As letras falam sobre bem e mal, sobre pecado, são mais adultas", começa Nasi. "É um disco mais maduro, fala um pouco sobre os vícios do homem, sobre a solidão, sobre certa promiscuidade que a sociedade vive. Mas sem um caráter moralista", completa Scandurra.
"Acho que há o resgate de um dado mais crítico que a banda tinha em certo momento, antes de ficar mais existencialista e passar a falar mais de amor. Sempre que falamos de amor foi de forma utópica, ingênua. Este fala de amor o tempo todo, mas fala mais de sexo", continua, referindo-se também ao título do CD (extraído da letra de "Je T'Aime Moi Non Plus", de Serge Gainsbourg) e à sua capa, que flagra o ato sexual de um casal de girafas.


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