São Paulo, sexta-feira, 29 de novembro de 2002

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MODA

Gisele é modelo de estilo de vida

ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA

Dois acontecimentos recentes trouxeram ao noticiário global questões relacionadas à beleza e ao universo feminino. De um lado, o babado das peles, protagonizado pela übermodel brasileira Gisele Bündchen em Nova York, durante um desfile interno da marca de lingeries Victoria's Secret, e os assassinatos e o transtorno detonados na Nigéria pelo concurso de Miss Mundo.
Gisele esteve no epicentro das manifestações da importante associação ecológica Peta (People for the Ethic Treatment for Animals), numa movimentação que ainda não terminou. Como sabe qualquer pessoa que tenha visto TV, jornais e revistas na Terra, ela sofreu um ataque dos ativistas durante o trabalho por ser a nova modelo da marca de peles Blackglama. Ela não é a primeira a modelar para uma grife do gênero, mas, por sua visibilidade, causou desconforto no meio da moda por descompromissadamente pular toda a questão politicamente correta que vem envolvendo esse mercado desde os anos 90.
Antecessoras de Gisele, top models como Linda, Christy, Stephanie protagonizaram uma campanha que celebrava: "Prefiro andar nua do que vestir pele". Como as modelos efetivamente estavam nuas na propaganda, todo mundo viu e a luta (da própria Peta) decolou e ganhou quórum.
Estilistas e grifes baniram as peles de seus desfiles. E quem usava as peles animais verdadeiras ganhava muxoxos. Aos poucos, entretanto, focos de resistência foram pipocando aqui e ali, com o aval da poderosa editora Anna Wintour, da "Vogue America", ela mesma uma fã de peles. Wintour usa peles animais há tempos, já foi alvo de manifestações e segue seu caminho. Os tempos mudaram. O que antes era chocante agora é aceitável. A ira foi-se diluindo, e a campanha esmaecendo. Uma das modelos daquele famoso anúncio das top models, Naomi Campbell, chegou a desfilar usando peles, ganhando um pito da mídia. Mas foi só.
Os ativistas costumam entrar clandestinamente nos desfiles e, num momento de distração dos seguranças, invadem a passarela, gritando e muitas vezes manchando as roupas. Nunca um ataque foi feito diretamente contra uma pessoa. No caso, Gisele. Ainda mais num desfile de lingeries -e não de peles.
A brasileira responde com a afirmação que ama bichos, que cria cachorros e cavalos, que nem usa peles. Que estava só fazendo seu trabalho. A questão é: hoje em dia, em plena era das celebridades, uma pessoa como Gisele é de fato uma modelo -de comportamento, modo de vida, beleza. E não só das roupas que veste. Caso contrário, seriam então as modelos meros cabides? Nesse sentido, talvez sua agência internacional não tenha sido capaz de prever o tamanho do estrago e do aborrecimento para a modelo -que só estava, realmente, fazendo seu trabalho, e que fora das passarelas não usa mesmo peles.
Mas é possível diferenciar, aos olhos do mundo, a vida nas passarelas e fora delas, no momento em que a mídia valoriza modelos "reais", pinçadas entre personalidades, atrizes e gente de música ou esporte? No universo sempre irreal dos concursos de beleza, as candidatas à Miss Mundo se vêem agora obrigadas a lidar com questões como a morte de centenas de pessoas, a ira dos extremistas islâmicos, depois que um jornal mencionou que o profeta Muhammad poderia até se casar com uma delas, de tão bonitas... Quem é a mais bonita é agora assunto que se tornou mais fútil do que nunca, principalmente no país em que mulheres são apedrejadas até a morte. São as misses modelos de quê? Para que serve a beleza aqui, afinal?
Gisele é a modelo mais visada do mundo. Poderá agora ajudar na campanha contra o uso das peles. As misses, essas desfilarão dia 7 em Londres.


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