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NELSON ASCHER
Fim das aulas
Basta passar os olhos pelas
revistas semanais para notar
que, nesta época do ano, suas páginas publicitárias se concentram
em vender um grande produto:
educação, ou melhor, instituições
de ensino. Mais que de biquínis e
filtros solares, de cruzeiros marítimos ou pacotes turísticos, é de
anúncios de escolas e faculdades
que elas estão cheias.
Este fato levaria um observador
estrangeiro a concluir meia dúzia
de coisas relevantes acerca da
educação brasileira: por exemplo,
a de que existe um mercado e que
o papel do Estado, se não nulo, é
limitado. Uma vez que o público-alvo das revistas é a classe média
e, sabendo-se que a maioria da
população se encontra fora (abaixo) de seu âmbito, pode-se inferir
que tal mercado atende sobretudo àquela.
A relativa novidade dessa massa publicitária e o número de fornecedores competindo entre si
apontam tanto para um crescimento da classe média como para
sua preocupação ostensiva com o
futuro. Trata-se, afinal, de uma
classe que, embora anseie subir
degraus, não ignora quão mais
fácil é descê-los. Sua familiaridade com as oscilações econômicas
a persuadiu de que, das ações aos
imóveis, os investimentos tradicionais são menos seguros do que
parecem. Ela sabe também que
parte substancial da própria ascensão decorre do conhecimento e
que a maneira ideal de preservar
sua posição consiste em assegurar
aos filhos o acesso a conhecimentos semelhantes.
Que a maioria dos brasileiros
esteja excluída dessa dinâmica é
uma catástrofe que o observador
denunciaria imediatamente. Se
fosse europeu, ele recomendaria,
como remédio infalível, a intervenção estatal ou, caso fosse americano, incentivos à expansão da
classe média. Ambas as soluções
têm seus méritos. Um Estado
mais empenhado é capaz de providenciar, com certa presteza, recursos para que os excluídos conquistem mobilidade social, enquanto aguardar pelos benefícios
da "mão invisível" do mercado,
além de arriscado, implica transformações demoradas.
Quase nenhuma sociedade se
alfabetizou ou se "numerizou"
maciçamente sem um mínimo de
"dirigismo" governamental. Os
casos mais bem-sucedidos são daquelas que o fizeram a partir da
Revolução Industrial e durante o
apogeu do nacionalismo clássico,
entre meados do século 19 e início
do seguinte. Além da mão-de-obra qualificada, seu esforço destinava-se a criar os cidadãos patrióticos das respectivas nações.
Daí a centralidade curricular da
história e da geografia, e o culto
ao domínio da língua materna.
Em países como a França ou
Alemanha, escolas, liceus e colégios se dedicavam, por um lado, a
apagar as diferenças regionais
entre seus alunos e, por outro, a
ressaltar as que os distinguiam
dos estudantes das nações vizinhas. Não é à toa que muitos dos
propagandistas mais entusiásticos da Primeira Guerra Mundial,
o conflito nacionalista por excelência, eram professores e que, na
década de 1920, os centros de estudo superior se tornaram verdadeiras incubadoras de ideologias
chauvinistas.
Convém, portanto, aquilatar à
luz dos usos às vezes nocivos a que
se prestaram os autênticos sucessos do modelo acima. Não menos
preocupante, numa perspectiva
longa, foi a edificação de gigantescos aparatos burocráticos voltados inicialmente para a organização e administração dos sistemas educacionais, mas que, com
o tempo, se revelaram apegados à
autoperpetuação e avessos à mudança. Essas burocracias se tornaram geradoras ou difusoras de
um conjunto de idéias que, hoje
em dia, subjaz ao modo como entendem seus objetivos. Assim, seu
cerne de engenharia social cresceu a ponto de elas se perceberem
como a parte indispensável que
fornece o roteiro ao todo, um todo
sobre o qual projetam suas rotinas corporativistas, antimeritocráticas, anticompetitivas e sua
preferência pela igualdade de resultados, não de oportunidades.
As conseqüências nas quais o
modelo em questão prevalece incontestado há mais anos, na Europa continental, saltam à vista.
Um levantamento realizado pelos
chineses das quinhentas melhores
universidades do planeta (com
ênfase nas disciplinas técnicas e
científicas) traz conclusões surpreendentes. Das 20 principais,
dezessete estão nos EUA, duas no
Reino Unido, uma no Japão e nenhuma no continente europeu.
(De resto, a América Latina abriga apenas três das quinhentas, e
nenhuma instituição do mundo
islâmico, que abarca 1/5 da humanidade, figura na lista.) O problema, porém, nada tem de secreto, e a imprensa dos países desenvolvidos reclama diariamente da
queda dos padrões educacionais,
de escolas que mal conseguem
formar gente que escreva, leia ou
faça contas direito.
Malgrado seus inumeráveis
azares históricos, uma das sortes
do Brasil é a de que não precisa
reinventar a roda. As lições, positivas ou negativas, de quem começou antes estão à sua disposição. Ao que tudo indica, o envolvimento estatal na educação básica dos excluídos é incontornável. Este, no entanto, deve ser visto como o que é: um mal necessário cujos desdobramentos cabe
manter sob controle. O mais grave residiria na tentação de, em
busca de um igualitarismo utópico, abolir o mercado (restrito e
defeituoso) que já existe.
Devido a sua trajetória e à existência mesma do mercado, a classe média nacional acumulou, a
respeito das opções educacionais,
uma experiência empírica que rivaliza com a dos profissionais da
área. Seu interesse pessoal no assunto, sua capacidade de avaliar
resultados e sua abertura mental,
à medida que sejam sistematizados, constituirão o contrapeso a
uma burocracia freqüentemente
aferrada a doutrinas obsoletas.
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