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Bábel é o melhor lançamento do ano
Traduzida do russo, reunião de contos "O Exército de Cavalaria" é a grande obra de ficção que faltava chegar ao país
Autor, um intelectual judeu de Odessa, descreve guerra russo-polonesa; sua prosa influenciou e foi elogiada por grandes escritores
NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA
"O Exército de Cavalaria", de
Isaac Bábel, a principal entre as
obras-primas do século 20 que
ainda não haviam sido devidamente oferecidas ao público
nacional, chega ao Brasil traduzida diretamente do original
russo. Um conjunto de contos
curtos ambientados numa das
campanhas (a russo-polonesa)
que se seguiram à chegada dos
bolcheviques ao poder, a coletânea, também intitulada "Cavalaria Vermelha" em outras
versões, revolucionou a arte de
narrar e influenciou autores
tão diferentes como Ernest Hemingway e Jorge Luis Borges.
Os cossacos eram, na Rússia
pré-revolucionária, camponeses livres que viviam nas zonas
"selvagens" de um império em
expansão. Exímios cavaleiros
que, enfrentando os nômades
da estepe, defendiam as fronteiras, eles se tornaram sinônimo de uma raça orgulhosa, a
um tempo bélica e geralmente
leal aos czares. Já os judeus, sobretudo urbanos, pouco afeitos
à montaria ou à batalha e confinados a certas regiões do país,
eram um grupo humilhado, pacífico e indesejável.
O colapso da sociedade russa
em 1917 e o estado de guerra
que perdurou até os anos 20
criaram situações estranhas.
Uma destas foi testemunhada
pelo comissário político de um
regimento de cossacos que, deixando suas lealdades tradicionais de lado, lutavam em prol
dos bolcheviques. Este comissário, um intelectual judeu de
Odessa, registrou suas experiências em contos que, brevíssimos, encapsulam todos os paradoxos desse conflito peculiar
e tornam sensíveis o caos e a
crueldade de um mundo virado
de cabeça para baixo.
Foi esse convívio desconfortável, durante o qual o intelectual teve, inclusive, de provar
sua dureza e sangue frio aos
guerreiros céticos, que permitiu ao autor entender o mosaico
étnico de seu país, talvez até do
mundo, e retratar o caráter excepcional de seu tempo.
Cada uma de suas narrativas
revela tanto a capacidade de
síntese e a perfeição estilística
de um poema trabalhado como
a imediaticidade impactante de
um filme ou documentário.
Suas histórias não podem ser
descritas nem resumidas, pois
narrar um evento qualquer em
menos palavras ou com mais
precisão do que Bábel fez é praticamente impossível.
Inédita
Por que, então, esta obra publicada há oito décadas só nos
chega agora? Os clássicos da
modernidade internacional já
estão devidamente "canonizados", quer dizer, existe, entre
críticos e leitores, um consenso
difícil de alterar a respeito de
quais são os maiores autores
que surgiram e quais as obras-primas que eles escreveram na
primeira metade do século 20.
Os principais prosadores e
poetas têm lugar garantido não
só em compêndios e enciclopédias como nas livrarias reais ou
virtuais e estão presentes em
currículos escolares. Além disso, quase todos já chegaram,
bem traduzidos, ao Brasil. Bábel era a exceção.
Reconhecido e avidamente
freqüentado, o russo, vítima
dos expurgos stalinistas dos
anos 30, é um dos mestres indiscutíveis da prosa moderna,
em nada inferior, por exemplo,
a Kafka. Como sua coletânea
mais famosa é, além da crônica
vibrante dos confrontos que
avassalaram seu país e vizinhanças, ecoando no resto do
mundo, também a narração
pessoal que, redigida no centro
dos acontecimentos e no calor
da hora por uma testemunha
ocular privilegiada, alcançou,
devido ao caráter lapidar, uma
durabilidade comprovada, não
deixa de ser lamentável que tenha sido publicada aqui em medíocres traduções indiretas.
Embora Boris Schnaiderman
tivesse vertido para o português alguns de seus contos, que,
graças à perícia e talento do tradutor, demonstravam a grandeza do autor, suas traduções,
dispersas em antologias, serviram para aguçar o apetite de
quantos tiveram a sorte de encontrá-las. Tamanha lacuna
em nosso repertório foi finalmente reparada por Aurora
Fornoni Bernardini, Homero
Freitas de Andrade e a editora
Cosacnaify através deste volume que, contando ademais com
ótimo aparato crítico e informativo, é o melhor livro de ficção lançado no Brasil em 2006.
O EXÉRCITO DE CAVALARIA
Autor: Isaac Bábel
Tradução: Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 55 (256 págs.)
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