São Paulo, quarta-feira, 29 de novembro de 2006

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Análise

Atuação como produtor é pouco valorizada

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Talvez o aspecto mais importante e menos conhecido da passagem de Jece Valadão pelo cinema brasileiro seja o de produtor. Ele não escondia a satisfação por ter produzido "Os Cafajestes" e, sobretudo, por ter intuído que Ruy Guerra seria o diretor talhado para o filme.
Dizia a quem quisesse ouvir que temia trabalhar com ele num esquema de tempo e dinheiro muito apertados, mas Guerra soube se adaptar perfeitamente às limitações da produção deste que se tornaria um dos grandes clássicos dos anos 60 e do cinema brasileiro.
Ator e assistente de direção de "Rio 40 Graus", estréia de Nelson Pereira dos Santos, Jece dizia ter enfrentado ali as condições mais adversas de sua carreira. A produção era tão pobre que os principais envolvidos (ele, Nelson, o fotógrafo Helio Silva) viviam em república numa casinha e, para comer, pediam fiado numa mercearia das redondezas. Jece, o galã, era escalado para flertar com a filha do dono da mercearia e conseguir estender os prazos.
Pode haver um tanto de fantasia em histórias como essa -mas a produção de filmes brasileiros não ficava longe desse padrão naqueles anos. O êxito de "Os Cafajestes" o levou a "Bonitinha, Mas Ordinária" (1963), baseado em Nelson Rodrigues e fadado ao escândalo tanto quanto "Os Cafajestes". Voltando a trabalhar com Nelson Pereira, foi co-produtor de "Boca de Ouro" (1963).
Como produtor, Jece trabalhou numa estrita linha comercial, voltada ao público popular -o que implica intuição na hora de escolher assuntos ("Mineirinho, Vivo ou Morto", de 1967, ou "Jerry, a Grande Parada", com o cantor Jerry Adriani, no ano seguinte).
Jece explorava à saciedade a fama de homem mau como ator. "Navalha na Carne" (1969), adaptação do texto de Plínio Marcos, de Braz Chediak, ilustra bem esse capítulo.
Os anos 70, que começam com a adaptação de "Memórias de um Gigolô", com direção de Alberto Pieralise, são um período fértil em realizações de baixo custo e visão oportunística, que culminam na associação com Antônio Calmon no estranho e altamente eficaz "Eu Matei Lúcio Flávio" (1979). Ali, usava-se o procedimento tradicional dos filmes "B" americanos: partindo do filme de sucesso feito pouco antes por Hector Babenco ("Lúcio Flávio"), concebeu-se uma "resposta".
Nos anos 80, com a agonia do filme popular, Jece Valadão retira-se. Seu legado, com toda a irregularidade que comporta a produção de filmes, não é devidamente valorizado (valoriza-se mais, não raro, o trabalho de produtores que passaram a vida pendurados em estatais e congêneres), mas é um dos mais interessantes do cinema brasileiro moderno.


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