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LIVROS
Scliar reaviva episódio do Antigo Testamento
Escritor gaúcho faz romance a partir da história do patriarca Judá e de seus filhos
Para o integrante da ABL, texto bíblico é um desafio para ficcionistas e deve ser interpretado também como um clássico da literatura
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Tensão familiar, amores contidos, intriga, traição, humor e
sexo. Novela televisiva? Não.
Filme de Woody Allen? Tampouco. Trata-se, nada menos,
de uma passagem bíblica.
Mais especificamente, do capítulo 38 do Gênesis, do Antigo
Testamento, só que relido pelos olhos do escritor gaúcho
Moacyr Scliar, 71, membro da
Academia Brasileira de Letras e
colunista da Folha.
"Manual da Paixão Solitária", seu mais novo livro, romanceia o episódio em que o
patriarca Judá tenta dar continuidade à sua linhagem. Para
reavivar a passagem, Scliar traz
a história para uma discussão
nos dias de hoje.
Quando a obra começa, está
para ser iniciada mais uma rodada anual do Congresso de
Estudos Bíblicos, na qual um
respeitado especialista interpretará o Manuscrito de Shelá.
Trata-se de um documento fictício, que teria sido encontrado
numa caverna em Israel, e que
traria elementos para preencher lacunas do texto da Bíblia.
"No Gênesis, a descrição desses acontecimentos ocupa poucas páginas. Mas trata-se de
uma história que provoca muitas reflexões sobre os sentimentos humanos. Por isso, me
interessei por ela e quis dar
contornos mais completos a
personagens e ações", disse
Scliar, em entrevista à Folha.
Com relação aos fatos contados na Bíblia, nada foi adulterado. O que o escritor gaúcho
fez, apenas, foi criar diálogos,
descrições de passagens e personalidades, e, principalmente,
investigar suas emoções e a razão de suas decisões.
As coisas têm início quando
Judá, filho do patriarca Jacó e
irmão de José, o interpretador
de sonhos, se afasta da família
para criar a própria linhagem.
Tem três filhos, Er, Onan e
Shelá. Quando estes crescem,
ele sai à busca de uma companheira para o filho mais velho.
A moça chama-se Tamar.
Er, porém, morre antes de
engravidá-la. Segundo a tradição da época, quando isso ocorria, o irmão mais novo tinha de
assumir essa tarefa. Onan une-se a Tamar e tem com ela relações sexuais, mas com coito interrompido. Assim, ela não fica
grávida e a tensão aumenta, até
que Onan também morre.
Tamar, mulher misteriosa e
ardilosa, engana Judá, oferecendo-se a ele disfarçada,
quando este empreendia uma
viagem. Deste modo, fica prenhe do patriarca e tem com ele
dois filhos, Perez e Zerá.
"É um momento de tensão
imensa, um desafio para os ficcionistas que o queiram descrever", diz o autor.
Bíblia e literatura
Para Scliar, o texto bíblico
deve também ser lido como se
faz com autores clássicos como
Shakespeare ou Cervantes. "Os
jogos de poder e as intrigas
amorosas comuns à nossa natureza estão nessas obras. A Bíblia é um verdadeiro catálogo
das paixões humanas."
Ele, ainda, não concorda com
o modo delicado e angelical que
costuma ser agregado aos personagens do Antigo Testamento. "Aquele era um mundo muito hostil e violento. Se não houvesse um extremo grau de disciplina, simplesmente não era
possível sobreviver."
E acrescenta que, pelo fato de
a vida ter de ser coletiva e rígida
em suas leis morais, não havia
espaço para o indivíduo. "Daí
ser uma referência para questionar, entre outras coisas, a solidão humana", conclui Scliar.
MANUAL DA PAIXÃO
SOLITÁRIA
Autor: Moacyr Scliar
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (215 págs.)
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