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Comentário/novela/"Viver a Vida"
Sofrimento de jovem modelo turbina trama
Personagem bela e má que sofre acidente e fica tetraplégica remete a moralismos
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
"Eu não aguento mais, preciso sair daqui!" No leito da UTI,
uma menina estonteantemente linda grita por socorro. Ela
não consegue se mexer do pescoço para baixo. Depois de um
acidente, ficou tetraplégica. E,
no meio da noite, acorda desesperada, clamando por um amigo. Enquanto isso, em nossas
casas, em geral em boas condições de saúde, não conseguimos desgrudar os olhos da TV.
A cena é tensa, e a atriz Alinne Moraes, que interpreta a
modelo Luciana em "Viver a Vida", de Manoel Carlos, comove.
O acidente de Luciana foi, até
agora, um dos pontos altos da
novela, e sua internação, idem.
Mas por que assistimos fascinados à cena da garota jovem e
bonita paralisada e sofrendo?
Também vimos, com os
olhos vidrados, a cena da família da jovem recebendo a notícia desesperadora de que a menina "com a vida pela frente"
havia ficado tetraplégica.
Tudo parece ficar mais pesado em "Viver a Vida" porque a
personagem em questão é uma
menina de 20 e poucos anos.
Linda. Mimada. Será que o espectador se sente vingado porque a riquinha supermal acostumada teve o que mereceu?
Será que o que uma garota bonita e rica merece é sofrer um
acidente de carro? Será que é
por isso que ouvimos (e temos
algum prazer) hipnotizados a
menina gritando de desespero?
Na internet, já existe até enquete: "Você acha que Luciana
mereceu ficar tetraplégica?".
Como se alguém merecesse
tragédia desse tipo.
Claro. Espera-se que Luciana
se recupere. E também que ela
mude, vire uma pessoa melhor,
de bom coração. Só a dor salva?
É preciso literalmente quase
morrer para mudar? A modelo
Luciana faz pensar em muitos
moralismos. A má sofre. Ser bonita e mimada mata.
O acidente da modelo (a profissão do momento, com que
toda jovem telespectadora sonha) é o assunto central da trama por enquanto, espécie de
ápice. Antes de a novela estrear,
já se comentava que "uma menina ia ficar tetraplégica". Veríamos com fascinação o sofrimento, a recuperação lenta e
uma família desesperada.
Mas devemos gostar mesmo
de ver moças (por que será que
em geral são as mulheres bonitas que agonizam em novelas?)
no hospital. Afinal, já acompanhamos uma menina grávida
morrer após ser atropelada, em
"Páginas da Vida". E todos os
detalhes de outra jovem bonita
com leucemia (quem se esquece da cena em que Carolina
Dieckmann raspou a cabeça?)
em "Laços de Família", ambas
de Manoel Carlos.
Moça bonita em hospital dá
ibope. E, ao desligar a TV, talvez a gente pense: "Não sou tão
bonita nem tão rica. Mas pelo
menos não estou morrendo no
hospital". Ou, se não sou bonita, ninguém também pode ser.
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