São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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Comentário/novela/"Viver a Vida"

Sofrimento de jovem modelo turbina trama

Personagem bela e má que sofre acidente e fica tetraplégica remete a moralismos

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

"Eu não aguento mais, preciso sair daqui!" No leito da UTI, uma menina estonteantemente linda grita por socorro. Ela não consegue se mexer do pescoço para baixo. Depois de um acidente, ficou tetraplégica. E, no meio da noite, acorda desesperada, clamando por um amigo. Enquanto isso, em nossas casas, em geral em boas condições de saúde, não conseguimos desgrudar os olhos da TV.
A cena é tensa, e a atriz Alinne Moraes, que interpreta a modelo Luciana em "Viver a Vida", de Manoel Carlos, comove. O acidente de Luciana foi, até agora, um dos pontos altos da novela, e sua internação, idem. Mas por que assistimos fascinados à cena da garota jovem e bonita paralisada e sofrendo?
Também vimos, com os olhos vidrados, a cena da família da jovem recebendo a notícia desesperadora de que a menina "com a vida pela frente" havia ficado tetraplégica.
Tudo parece ficar mais pesado em "Viver a Vida" porque a personagem em questão é uma menina de 20 e poucos anos. Linda. Mimada. Será que o espectador se sente vingado porque a riquinha supermal acostumada teve o que mereceu? Será que o que uma garota bonita e rica merece é sofrer um acidente de carro? Será que é por isso que ouvimos (e temos algum prazer) hipnotizados a menina gritando de desespero?
Na internet, já existe até enquete: "Você acha que Luciana mereceu ficar tetraplégica?". Como se alguém merecesse tragédia desse tipo.
Claro. Espera-se que Luciana se recupere. E também que ela mude, vire uma pessoa melhor, de bom coração. Só a dor salva? É preciso literalmente quase morrer para mudar? A modelo Luciana faz pensar em muitos moralismos. A má sofre. Ser bonita e mimada mata.
O acidente da modelo (a profissão do momento, com que toda jovem telespectadora sonha) é o assunto central da trama por enquanto, espécie de ápice. Antes de a novela estrear, já se comentava que "uma menina ia ficar tetraplégica". Veríamos com fascinação o sofrimento, a recuperação lenta e uma família desesperada.
Mas devemos gostar mesmo de ver moças (por que será que em geral são as mulheres bonitas que agonizam em novelas?) no hospital. Afinal, já acompanhamos uma menina grávida morrer após ser atropelada, em "Páginas da Vida". E todos os detalhes de outra jovem bonita com leucemia (quem se esquece da cena em que Carolina Dieckmann raspou a cabeça?) em "Laços de Família", ambas de Manoel Carlos.
Moça bonita em hospital dá ibope. E, ao desligar a TV, talvez a gente pense: "Não sou tão bonita nem tão rica. Mas pelo menos não estou morrendo no hospital". Ou, se não sou bonita, ninguém também pode ser.


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