São Paulo, quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO

Com espetáculo previsto para 2005, diretor aponta falhas em programa municipal e opina sobre novo secretário

Antunes questiona seleção do fomento

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir a continuação da entrevista com o diretor Antunes Filho dada à Folha.
 

Folha - Você sabe que uma comissão seleciona...
Antunes -
... O critério é o do compadrio.

Folha - As comissões se dizem norteadas pelo critério do trabalho continuado, que está previsto no fomento, daí a reincidência de grupos...
Antunes -
[Risos] Pára, eu não vou continuar. Você está me provocando. Não, não, não... Estou falando para você de avaliação. Quem avaliou os que ficaram de fora? E os que entraram? Quem avalia esse contexto? Quem? Os partidários? Ah, que engraçado [risos]. O compadre vai falar mal de compadre? É como o compadrio de alguns críticos que só falam bem dos amigos. Eu quero que você publique isso. Está virando teatro dos compadres.

Folha - Qual a expectativa quanto a Emanuel Araújo, o secretário da Cultura de Serra?
Antunes -
Esse cara é ótimo. Só quero saber o seguinte: peço pelo amor de Deus para esse cara ver quem é que está colocado do lado dele para ver teatro. Pelo amor de Deus, cuidado. Ele é um cara sério, honesto e interlocutor. Que ele seja iluminado para colocar uma pessoa de ética perfeita e de conhecimento perfeito de teatro, que não seja baboso, que não vá na onda do folclore pelo folclore. Tem um pessoal de teatro que gosta de ficar chorando a vida inteira, de chapéu na mão. Eu não acho isso uma atitude digna... Você vai dizer: "Ah, mas você trabalha no Sesc, tem tudo". Sim, mas tenho que provar a cada espetáculo que eu posso continuar trabalhando para o Sesc. A cada espetáculo meu eu estou começando. A gente se dá bem porque eu trabalho corretamente.

Folha - "Antígona" será a terceira tragédia grega, depois de "Fragmentos Troianos" [1999] e das duas versões de "Medéia" [2001 e 2002]. Qual o estágio?
Antunes -
Não dá para você fazer drama, tragédia ou comédia se não tiver técnicas específicas. Fiquei quase oito anos empacado nisso, mas agora acho que resolvi. Vamos dar um passo adiante. Você sabe muito bem que eu era um diretor-encenador [faz gesto ampliado dos braços e emite som gutural], e aí comecei a ser diretor-diretor, de querer ver o ator. O espetáculo passa, o ator fica. Pretendo um equilíbrio perfeito entre o ator e a encenação, com a técnica extraordinária que os atores do CPT estão tendo agora.

Folha - "Antígona" suscita várias leituras: o embate família-Estado, a heroína versus o vilão, o belicismo masculino...
Antunes -
... A gente vai ter oportunidade de falar mais sobre isso na estréia. Antígona é tanta coisa, Creonte é tanta coisa, Ismene é tanta coisa. As palavras que a gente usa são ocas, neutras. Pensa-se que elas aceitam tudo, que podem corporificar os objetos, mas, por mais que você fale, não se consegue corporificar e discernir um objeto integralmente. A palavra é sempre precária. Essa redução maniqueísta é fruto da cultura comercial em que vivemos, da mentira, da moda, do vazio enciclopédico. "Antígona" é isso que você imaginou e mais alguma coisa, ou menos alguma coisa.

Folha - A concepção é de uma tragédia dupla, dá o mesmo peso a Antígona e Creonte?
Antunes -
Creonte e Antígona são uma tragédia. A Ismene é o elemento que coloca o fiel [da balança] entre um lado e outro. Sabe o que é bonito na tragédia? É a condição humana. Se eu disser para você que Creonte é só isso, estou matando a vastidão que temos dentro do coração, da alma.

Folha - Como criou o coro, uma marca de seu teatro, mesmo quando não é tragédia?
Antunes -
Há o coro dos anciões e o coro das bacantes, que inclui. Não se pode esquecer que Baco é patrono do teatro e de Tebas.


Texto Anterior: Antunes Filho critica "teatro de compadres"
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.