São Paulo, quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

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CINEMA

Após exibir "2046" incompleto em Cannes, diretor estréia versão expandida

Wong põe fim à história de amor

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

No Festival de Cannes, em maio passado, um filme chinês conseguiu fazer os freqüentadores esperarem por "2046", de Wong Kar-wai, com a mesma ansiedade das fãs que esperavam Brad Pitt.
Tanto "frisson" tinha sua razão. Wong havia causado impressão em 97, com "Felizes Juntos" (melhor direção) e, em 2000, com "Amor à Flor da Pele" (melhor ator para Tony Leung). "2046" era certo em Cannes 2003. Mas nada. Em 2004, surgiu na lista da competição e foi imediatamente apontado como um dos favoritos.
O "frisson" positivo começou a azedar quando a organização do evento anunciou que a cópia não chegaria a tempo de sua primeira projeção. Foi preciso mexer na grade de horários. Houve muita reclamação. Chegaram a espalhar boatos de que tudo não passava de golpe para chamar a atenção.
"2046", enfim, foi exibido no dia seguinte diante de uma platéia gélida. Deixou a condição de favorito e passou à de grande decepção. Na noite da premiação, a Palma de Ouro foi para "Fahrenheit 11 de Setembro", de Michael Moore. Não sobrou prêmio para "2046", que traz mais cinema em cada um de seus fotogramas do que todos os filmes de Moore juntos.
Mas havia, de fato, algo esquisito no filme. "Felizes Juntos" e "Amor à Flor da Pele" haviam sido exibidos no mesmo festival com alertas de que a mixagem não estava pronta e a lista de créditos estava incompleta, mas faziam sentido. "2046", apesar das imagens belíssimas, deixou a sensação de que não estava pronto.
Wong tem um processo de trabalho não convencional. Ele começa sem ter idéia de onde vai parar. A atriz Maggie Cheung abandonou as filmagens por não suportar o jeito do diretor.
"Amor à Flor da Pele", por sinal, deveria ter sido "2046", mas no meio do caminho tomou outro rumo -como o cineasta explicou. Sabe-se também que os produtores inscrevem seus filmes nos festivais como forma de pressioná-lo a acabar a montagem, que costuma ser interminável.
Em outubro, a versão definitiva de "2046" estreou em Paris, com cinco minutos a mais do que a cópia exibida em Cannes. Cinco minutos que fazem toda a diferença. As novas imagens foram acrescentadas no começo do filme, somadas a uma narração em "off" do personagem principal, que ajudam a iluminar a projeção.
"2046" insiste no tema do amor frustrado ao narrar a história de um escritor (de novo Leung, agora de bigode) que se recusa a viver uma relação amorosa duradoura por causa do fantasma de uma mulher perfeita de um relacionamento passado. Tudo se mescla numa palheta visual que mistura o passado (anos 50) e o futuro (2046, que é também um número de quarto de hotel).
Se Wong se repete, ele se repete como os grandes artistas que pintam sempre o mesmo quadro, quase sempre se superando na beleza. "2046" ainda não tem previsão de estréia no Brasil.


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