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CONTARDO CALLIGARIS
O fim do ano e o medo de perder
O ano acaba. A mudança de
data traz consigo uma esperança de renovação: é um momento em que pensamos em nossos projetos -para o ano que vem
e também em geral, para o futuro,
a longo prazo.
É engraçado. Muitas vezes, acho
que o futuro nos preocupa demais, a ponto de nos impedir de
saborear o presente. Mas, por outro lado (e paradoxalmente), parece-me que nossos projetos são
quase sempre modestos, inibidos,
sem ousadia, como se não nos permitíssemos sonhar e correr atrás
de nossos sonhos.
Os adolescentes, por exemplo,
são constantemente convidados a
sacrificar seu presente e a preparar-se para as exigências do futuro ("não saia, pare de vagabundear e sente-se para estudar"). Ao
mesmo tempo, na maioria dos casos, o futuro com o qual eles sonham (e que deveria funcionar
como seu pensamento dominante) é curiosamente razoável, "sossegado", mas mediano, se não
medíocre.
Claro, os pais adotam, de fato,
em relação aos filhos, uma espécie
de moral estóica: quem desejar
menos não será, talvez, mais feliz,
mas será sem dúvida menos infeliz em caso de fracasso e de frustração. Queremos tanto o bem de
nossos rebentos que acabamos
cortando suas asas: "sonha bem
quem sonha pouco".
Mas essa explicação não basta:
não só os jovens parecem sonhar à
surdina. A gente também. Por que
será que, quando sonhamos e projetamos o futuro, somos facilmente medrosos?
Em 2002, surpreendentemente,
um psicólogo ganhou o prêmio
Nobel de Economia: Daniel Kahneman. Todos os seus trabalhos
(muitos dos quais escritos com
Amos Tversky, que morreu em
1996 e, portanto, não pôde ser premiado junto com seu colega)
questionam um pressuposto da
teoria econômica (hoje quase defunto), segundo o qual o sujeito
da economia (ou seja, nós, quando tomamos decisões econômicas)
seguiria princípios racionais, escolhendo o que é mais útil e mais
proveitoso.
A teoria que tornou Kahneman
e Tversky famosos se chama
"Prospect Theory", teoria do prospecto, ou seja, teoria de como a
gente avalia as expectativas futuras, no momento de decidir. Eles
escreveram dois textos cruciais sobre o assunto, um em 1979 e outro
em 1992 (disponíveis ambos on-line no endereço http://prospect-theory.behaviouralfinance.net/).
A "Prospect Theory"" mostra o
seguinte: na hora de correr um
risco ou de evitá-lo, nossa decisão
não é guiada apenas pela consideração das chances efetivas de
sucesso ou fracasso, mas outros
fatores menos "racionais" (em
particular, o medo de perder) tornam-se determinantes.
Escolho uma das experiências
realizadas por Kahneman. Note-se que o valor em jogo (digamos,
R$ 1.000) corresponde a um terço
da renda média do grupo social
de onde vêm os entrevistados (as
experiências foram realizadas na
Suécia e repetidas e confirmadas
nos EUA). No começo da experiência, supõe-se que o sujeito tenha recebido, de presente, um dinheiro; dessa forma, as perdas
eventuais não mudariam perigosamente sua condição financeira.
Então, você já recebeu R$ 1.000.
Agora, você deve escolher entre A)
receber R$ 500 certos e B) correr
um risco pelo qual há 50% de
chances de você ganhar R$ 1.000 e
50% de chances de você não ganhar nada. A grande maioria dos
entrevistados (84%) escolhe ficar
com os 500 certos e evita o risco de
não ganhar nada na esperança
de ganhar mais.
Situação inversa. Você recebeu,
de presente, R$ 2.000. Agora, você
deve escolher entre A) perder 500
inevitavelmente e B) correr um
risco pelo qual há 50% de chances
de você perder R$ 1.000 e 50% de
chances de você não perder nada
e ficar com todos os seus 2.000.
Aqui uma boa maioria dos entrevistados (69%) prefere correr o
risco de perder mais, na esperança, obviamente, de não perder
nada. Só 31% optam pela perda
inevitável de R$ 500.
Conclusão: quando se trata de
ganhar, nossa aversão ao risco é
muito maior do que quando se
trata de perder. Em outras palavras, não é para ganhar, mas para não perder que estamos dispostos a mais sacrifícios. Para não
perder, estamos até prontos a correr o risco de perder mais ainda.
De fato, muitos jogadores conseguem deixar a mesa quando estão ganhando, contentando-se
com o dinheiro que levarão para
casa, mas são poucos os jogadores
que conseguem parar de jogar
quando estão perdendo. Em regra, o jogador não se resigna às
perdas e segue apostando e acreditando numa mudança da sorte,
até esgotar sua conta e seu crédito. Outro exemplo é o do investidor que se agarra a ações que declinam ruinosamente e prefere
esperar um milagre a vender e limitar seu desastre.
Ora, a descoberta de Kahneman e Tversky se aplica fora do
âmbito estreitamente econômico:
na hora de arriscar, o que fala
mais alto é o medo de perder.
Quando limitamos medrosamente nossos sonhos, o que vale não é
tanto a vontade de torná-los
mais razoáveis e realizáveis, mas
o medo de abandonar o conforto
resignado do status quo.
Os psicanalistas dizem a mesma coisa, em termos apenas diferentes: não há desejo sem perdas,
e quem não aceita perder se impede de desejar.
Enfim, meus votos para todos:
um Ano Novo sem medo de perder.
@ - ccalligari@uol.com.br
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