São Paulo, sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

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Charlotte Rampling, 60, reencontra sensualidade

Em boa fase após superar depressão, atriz estrela "Em Direção ao Sul", de Laurent Cantet

Intérprete "redescoberta" por Ozon em 2000 inspira diretores como Dominik Moll e Cantet e não hesita em ficar nua em frente às câmeras

Divulgação
A atriz com Ménothy Cesar em cena do filme "Em Direção ao Sul"


SHEILA JOHNSON
DO "INDEPENDENT"

Eis o que você precisa saber sobre os 60 anos: o que Susan Sarandon, Cher, Diane Keaton, Joanna Lumley, Patti Smith, Jane Birkin, Dolly Parton e Charlotte Rampling têm em comum? A velha platitude de que o mundo do entretenimento não tem espaço para damas de uma certa idade.
Mas essas mulheres, que iniciaram a sétima década de suas vidas neste ano, são glamourosas, têm agendas cheias e nunca deixaram de fazer sucesso. Algumas delas continuam requisitadas para papéis eróticos: Rampling é uma turista sexual predatória num de seus filmes mais recentes. E elas não vêem problemas em, ocasionalmente, se despir diante das câmeras: você se lembra da forma impressionante de Keaton em "Alguém Tem que Ceder"? Coletivamente, reaproximaram o termo "sexo" a "sexagenária".
Rampling talvez seja a mais notável delas. Além de celebrar seus 60 anos (em 5 de fevereiro), ela presidiu o júri do Festival de Berlim, filmou com François Ozon no Reino Unido e estrelou trabalhos de dois dos mais respeitados diretores franceses. E ainda fez um papel em "Instinto Selvagem 2".
Há alguns anos, ela enfrentava dificuldades. Afundada em depressão, lutava por papéis de viúva e solteirona: a manipuladora tia Maude em "Asas do Amor", a amalucada Miss Havisham de "Grandes Esperanças". Então, em 2000, Ozon a escalou para um papel em "Sob a Areia" ("Sous le Sable"), sobre uma mulher incapaz de aceitar o desaparecimento misterioso do marido. Virtualmente sozinha por boa parte do filme, deslizando da fácil intimidade de um longo matrimônio à dor obsessiva e ao desesperado erotismo com o amante, o trabalho de Rampling foi uma revelação.
Desde então, cineastas fazem fila para trabalhar com ela. "Não procuro diretores; eles me procuram", ela diz, hoje.

Flores
Ao chegar para a entrevista, em Paris, onde vive há 30 anos (ainda que mantenha um apartamento em Chelsea), Rampling está bonita, de fato, com aqueles malares esplêndidos e olhos expressivos, eróticos. Veste calças negras, justas, e uma camisa branca, simples: elegância francesa clássica acentuada por uma jaqueta floral. "Decidi vestir flores para você", ela diz. "Normalmente, só uso preto." Rampling parece animada. O tom grave, severo e preciso com que fala inglês fica sedutor quando ela diz frases em seu francês fluente.
O parceiro de Rampling é o consultor de negócios Jean-Noel Tassez, dez anos mais jovem que ela. Antes disso, casou-se duas vezes com o agente Bryan Southcombe, com quem teve o filho Barnaby, em 1973, e com o músico Jean-Michel Jarre. O filho deles, David, tem 29 anos. A união durou mais de 20 anos, mas acabou em 1997 -Jarre estava tendo um caso. Ela diz que isso foi mais resultado do que causa de sua depressão. Rampling atribui o problema à morte da irmã mais velha, muito tempo atrás. Ela sempre disse que a irmã morrera de hemorragia cerebral, mas hoje admite que ela se suicidou.
Ozon criou outro bom papel para ela em "Swimming Pool -0À Beira da Piscina", como Sarah, uma escritora de mistério que descobre seu poder de sedução numa viagem de férias ao sul da França. "Dizem que voltei a viver quando Ozon virou parte da minha vida. Não é assim. Ele me ajudou porque abri as portas, e ele viu que eu estava me recuperando", diz.
O diretor Dominik Moll, que recentemente a escalou para "Lemming", diz que se sentiu intrigado pela complexidade da atriz. "Eu desejava, por um lado, que ela fosse vista como uma pessoa comum, mas, por outro, que fosse extremamente sedutora, que assustasse e que tivesse algo muito frágil. Charlotte Rampling tem isso tudo." É uma opinião de que o cineasta Laurent Cantet compartilha. "Ela deixou a carreira de lado por um tempo, mas agora recomeçou. Ela tem idade para interpretar personagens diferentes dos que fazia no passado. E é tão fascinante que os diretores querem construir personagens só para ela."

Câmera impiedosa
Se "Lemming" é um trabalho leve para a atriz, "Em Direção ao Sul" ("Vers le Sud"), de Cantet, que estréia hoje em São Paulo, é denso. A história se passa no Haiti nos anos 70, a sombria era da ditadura Baby Doc. Isso pouco interessa às americanas ricas que vão à ilha cuidar do bronzeado e procurar homens locais. Rampling é a rainha dessa fauna, frágil e sedutora. "O filme mostra o encontro entre duas formas de sofrimento: a pobreza, anarquia e caos daquele belo país, e a pobreza das mulheres que crêem que é preciso encontrar amor longe de sua cultura", diz ela.
Aqui, como em "Sob a Areia" e "À Beira da Piscina", Rampling não hesita em se despir em companhia dos belos e jovens atores do filme. "A câmera pode ser impiedosa, muito mais do que os olhos. A pessoa se vê ao espelho e pensa que está bonita, mas na câmera você percebe ângulos que não examinou. Ainda assim, é comovente ver uma mulher que foi jovem e bela. Pode-se sentir a passagem do tempo", ela diz.
Tradução Paulo Migliacci


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