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crítica
"Em Direção ao Sul" revela face sinistra do Haiti
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
A primeira cena do filme é uma surpresa
preocupante: no saguão de um aeroporto uma
senhora negra tenta dar sua
filha a um distinto senhor
negro. O aeroporto fica em
Porto Príncipe, Haiti, e estamos nos tempos de Baby
Doc. Pode ser, portanto, mais
um filme que explora a miséria de certas nações.
Mas Laurent Cantet, que
nos deu o belíssimo "A Agenda" (2001), mostra que não
está aí para brincar ou fazer
populismo. Logo veremos
que seu destino é um resort
onde senhoras, americanas e
maduras, se encontram para
namorar jovens haitianos.
Um paraíso das solteironas, diria Mazzaropi. Em todo caso, uma modalidade por
aqui ainda desconhecida de
turismo sexual. Duas delas,
Ellen (Charlotte Rampling) e
Brenda (Karen Young), disputarão as atenções de Legba
(Ménothy Cesar).
É claro, essas coisas não
acontecem sem problemas.
Ellen sente-se um pouco dona de Legba, quando chega
Brenda. Todas se acham, de
certo modo, donas dos rapazes, e não sem razão. Não é
inexato dizer que elas os
compram. Mas, como o jogo
não é assim tão claro, quando
duas querem comprar a mesma mercadoria, descobre-se,
entre outras, que ele não é
apenas uma mercadoria.
No meio disso, surge a voz
de Albert, o distinto senhor
da cena de abertura e gerente
do hotel. Ele quer proibir
Legba de jantar na mesa com
as hóspedes. Brenda se escandaliza e comenta que Albert é racista. A voz de Albert
nos diz outra coisa: ele é de
uma família nacionalista.
Resistiu à invasão americana
de 1915. Hoje, pergunta-se
como resistir a essa outra invasão, mais insidiosa: a do dinheiro. Não há como resistir,
nota-se por sua expressão.
O filme desenha, desde então, dois caminhos. Um deles, diz respeito aos afetos
das mulheres -e a maneira
como dirige suas duas atrizes
principais já tornam obrigatório olhar com atenção para
os filmes do diretor- e ao
seu inocente racismo (resumindo: elas admitem esses
negros, mas não os negros do
Harlem, por exemplo). O outro, político, concerne às relações políticas no interior
do Haiti. Embora pouco evidentes, os sinais da violência
aparecem aqui e ali, com
uma força que permite ao espectador imaginar o que
existe de sinistro naquele
país -talvez tão sinistro
quanto o turismo que as mulheres fazem, com toda inocência.
Pois o correr do tempo é
que nos fará compreender a
cena inicial, em que a mulher
aflita procura dar a filha a alguém que cuide dela. Doar a
menina talvez seja a maneira
de tirá-la do circuito de mercadorias em que seja os estrangeiros seja os de dentro
transformaram o Haiti. Ou,
mais amplamente, o sul.
EM DIREÇÃO AO SUL
Direção: Laurent Cantet
Com: Charlotte Rampling, Karen
Young, Louise Portal
Onde: em cartaz no HSBC Belas
Artes e Reserva Cultural
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